|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
DEPOIMENTO
"Foi como se eu tivesse sido acordado por um tsunami"
EDGARD ALVES
DA REDAÇÃO
O MUNDO GIROU rápido
na cabeça, como se eu
tivesse sido acordado
por um tsunami. Eram 4h da
madrugada, de uma das noites
quentes deste verão. Grogue de
sono, despertado pelo telefone,
corri para a sala para atender.
Primeiro, o sinal de ligação a
cobrar aumentou a tensão. Afinal, em casa, é inusual ligação
nesse horário. A cobrar, coisa
boa não deve ser. O motivo deveria ser grave, notícia ruim.
Bêbado de sono, a zonzeira
faz o sinalzinho da operadora
parecer eterno, embora não
passe de pouquíssimos segundos. A sensação é que tudo está
errado, confuso. Aí vem a tortura, em dois atos.
"Pai, fui seqüestrado. Fui seqüestrado, pai. Me salva, pai."
Naquela confusão mental,
sem nada entender, e querendo
entender, a reação de pai, distante dos filhos em viagem.
"Caaaalma, filho! Caaaalma,
filho! Leandro, caaaalma filho!
Leandro, o que aconteceu? Onde você está? Fique calmo e
converse comigo."
Os golpistas já tinham um
nome. Não sei dizer se usaram.
Certa vez li algo que contava
como teria sido o susto de um
japonês que apertou o botão da
descarga do vaso sanitário de
sua casa no exato momento em
que a bomba explodiu em
Hiroshima. Entendi qual teria
sido o susto do cidadão.
A partir daí começou o segundo ato. O bandido, com voz
de bandido de cinema, entra na
linha. "Estamos com o seu filho
e queremos dinheiro para soltá-lo. Nosso alvo não era ele,
era o filho de um empresário,
foi engano, mas seu filho viu
nosso rosto. Agora, precisamos
de dinheiro. Quanto você pode
dar? Qual é a marca do seu carro? E o da sua mulher?"
E as ameaças seguiram: "Não
fale com mais ninguém. Se ligar
para a polícia, matamos. Estouramos os miolos dele. Não temos tempo. Fale quanto você
pode dar."
Diante da negativa da disponibilidade de fundos, as ameaças, repetidas inúmeras vezes e
em locução rápida, sobem o
tom. "Vamos estourar o miolo
dele. Quanto você pode dar?
Vamos matá-lo."
Negociei, ganhando tempo,
até acordar o vizinho do apartamento ao lado. Enquanto ouvia
os gritos do outro lado da linha,
escrevi que solicitasse ajuda da
polícia. A resposta da PM, após
breve relato do vizinho: "Se foi
ligação a cobrar é trote; tem
acontecido muito. Não podemos grampear a ligação. Com
certeza, é trote".
Mesmo assim, já ciente da informação da PM, mantive um
pouco mais a negociação. E a ligação foi encerrada com as instruções: "Arrume o dinheiro:
R$ 10 mil. Isso você pode. Às
10h ligaremos para acertar o
que deve ser feito. Não fale com
a polícia nem com ninguém senão ele morre."
Ainda nervoso, tentei contato com meu filho, em vão naquele momento, mas respirei
aliviado quando soube que a
namorada havia falado com ele
cinco minutos antes, ou seja,
quando os golpistas ainda estavam na linha.
No horário marcado, o telefone tocou mas não atendi.
Mais três horas e, com o sinal
do telefone restabelecido no local onde meu filho estava, é que
senti, de fato, o significado verdadeiro de alívio: "Pai, tá tudo
bem por aqui. Curtindo e
aprendendo. E o Corinthians,
pai, o Nilmar já estreou?"
Nem respondi. Outro assunto desagradável seria demais
para meu combalido coração.
Texto Anterior: Depoimento: À mercê dos párias, gritos de socorro não têm timbre pessoal Próximo Texto: Barbara Gancia: Adianta discutir segurança pública? Índice
|