São Paulo, segunda, 23 de fevereiro de 1998

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Mãe ainda ouviu filha chamar do quarto que desmoronou

da Sucursal do Rio

Fátima Barbosa Ferraz voltou ao apartamento 602 do bloco 2 alguns minutos antes do desabamento para pegar as fantasias para desfilar em duas escolas de samba no Carnaval 98. Mas não conseguiu sair: o desmoronamento a soterrou quando estava em um dos quartos. Sua mãe, Arialva Barbosa Ferraz, ainda a ouviu chamá-la.
Arialva estava sozinha no apartamento quando houve o alarme de desocupação. Ela telefonou para a filha, que estava em outro condomínio nas proximidades, e pediu ajuda para tirar algumas coisas. Fátima voltou e começou o trabalho.
Segundo Soraia Barbosa do Nascimento, sua prima, Fátima já estava no corredor quando lembrou das fantasias, com que desfilaria nas escolas de samba Caprichosos de Pilares e Unidos da Tijuca. Voltou e entrou no quarto, para pegá-las. Foi quando houve o desmoronamento. Arialva, que estava na sala, correu. Sua filha não teve tempo para fazer o mesmo.

Documentos
Outra vítima foi o defensor público Gilberto Maneschy. Ele voltara a um apartamento na cobertura, presumivelmente para pegar documentos, e não foi mais visto.
Sua mulher, Margarida, não quis dar declarações. Até o início da tarde, estava sentada em um dos bancos ao pé do bloco 1, olhando para o bloco 2, onde ocorrera o desabamento.
Segundo o tenente-coronel do Corpo de Bombeiros Marcos Silva, foi o engenheiro Gerard que percebeu que o pilar no segundo subterrâneo estava condenado. Ironicamente, voltou ao seu apartamento, mesmo sabendo o risco que corria.
"Ele condenou o pilar na mesma hora", afirmou Silva.
Leonel Benevides, que morava no 1.702, subiu, segundo amigos, para fazer um lanche no apartamento em que morava, sem conhecimento de seu pai, Oswaldo. Uma vizinha, Fátima Lúcia Reis, lembrou ter encontrado o rapaz no elevador.
"Ele estava indo para a garagem olhar o pilar que estava condenado", disse.
Fátima e o marido chegaram ao prédio às 2h.
"Já encontrei todo mundo concentrado aqui embaixo e ainda subi para trocar de roupa", contou. Segundo ela, seu marido estava muito abalado por ter encontrado com Leonel momentos antes do desabamento. Os dois costumavam jogar bola juntos.
Fátima não viu o desabamento. Às 3h da manhã, ela foi para a casa de sua mãe.
Mais tarde, soube pelo rádio do desastre. O banheiro e a área de serviço de seu apartamento (204) desabaram. Casada há cinco meses, ela se mudou em outubro para o edifício e ainda está pagando o financiamento.
"Pena que eu não peguei alguma coisa, agora está interditado", disse ela.
Apesar do choque, Fátima disse que ainda tem vontade de ir ao apartamento, mesmo sabendo que estaria correndo risco de vida.
"Será que não é a minha TV?", disse Fátima quando um morador do bloco 1 -que também foi interditado, mas de onde os moradores puderam retirar seus pertences- passou carregando uma televisão.
"Estava pagando os eletrodomésticos mês a mês com muito sacrifício. Agora tudo que era novo está velho", lamentou.

Dívida
O engenheiro José Borges, que morava desde julho do ano passado no apartamento 1.408 do bloco 2, disse que estava escrevendo em seu computador quando aconteceu o primeiro tremor do edifício. "Todos os vidros balançaram e então liguei para o porteiro, que não sabia de nada."
Ele foi avisado depois pelo tenente-coronel Marcos Silva sobre o problema com a estrutura do edifício.
"Chamei minha mulher e desci, mas ainda voltei para pegar documentos", disse Borges.
Ele estava devendo oito meses da prestações de seu apartamento, pois gastara muito dinheiro com os acabamentos internos. O engenheiro disse que na última sexta-feira entregou um cheque de R$ 12 mil para quitar a dívida.
"Vou sustar esse cheque e entrar com outro processo contra a construtora junto com os moradores", disse.
Após o desabamento, os moradores fizeram uma contagem informal, para saber quem estava e quem não estava no edifício. (FELIPE WERNECK E WILSON TOSTA)


Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.