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Mãe ainda ouviu filha chamar
do quarto que desmoronou
da Sucursal do Rio
Fátima Barbosa Ferraz voltou ao
apartamento 602 do bloco 2 alguns minutos antes do desabamento para pegar as fantasias para
desfilar em duas escolas de samba
no Carnaval 98. Mas não conseguiu sair: o desmoronamento a
soterrou quando estava em um
dos quartos. Sua mãe, Arialva Barbosa Ferraz, ainda a ouviu chamá-la.
Arialva estava sozinha no apartamento quando houve o alarme
de desocupação. Ela telefonou para a filha, que estava em outro
condomínio nas proximidades, e
pediu ajuda para tirar algumas
coisas. Fátima voltou e começou o
trabalho.
Segundo Soraia Barbosa do Nascimento, sua prima, Fátima já estava no corredor quando lembrou
das fantasias, com que desfilaria
nas escolas de samba Caprichosos
de Pilares e Unidos da Tijuca. Voltou e entrou no quarto, para pegá-las. Foi quando houve o desmoronamento. Arialva, que estava na sala, correu. Sua filha não
teve tempo para fazer o mesmo.
Documentos
Outra vítima foi o defensor público Gilberto Maneschy. Ele voltara a um apartamento na cobertura, presumivelmente para pegar
documentos, e não foi mais visto.
Sua mulher, Margarida, não
quis dar declarações. Até o início
da tarde, estava sentada em um
dos bancos ao pé do bloco 1,
olhando para o bloco 2, onde
ocorrera o desabamento.
Segundo o tenente-coronel do
Corpo de Bombeiros Marcos Silva, foi o engenheiro Gerard que
percebeu que o pilar no segundo
subterrâneo estava condenado.
Ironicamente, voltou ao seu apartamento, mesmo sabendo o risco
que corria.
"Ele condenou o pilar na mesma
hora", afirmou Silva.
Leonel Benevides, que morava
no 1.702, subiu, segundo amigos,
para fazer um lanche no apartamento em que morava, sem conhecimento de seu pai, Oswaldo.
Uma vizinha, Fátima Lúcia Reis,
lembrou ter encontrado o rapaz
no elevador.
"Ele estava indo para a garagem
olhar o pilar que estava condenado", disse.
Fátima e o marido chegaram ao
prédio às 2h.
"Já encontrei todo mundo concentrado aqui embaixo e ainda subi para trocar de roupa", contou.
Segundo ela, seu marido estava
muito abalado por ter encontrado
com Leonel momentos antes do
desabamento. Os dois costumavam jogar bola juntos.
Fátima não viu o desabamento.
Às 3h da manhã, ela foi para a casa
de sua mãe.
Mais tarde, soube pelo rádio do
desastre. O banheiro e a área de
serviço de seu apartamento (204)
desabaram. Casada há cinco meses, ela se mudou em outubro para
o edifício e ainda está pagando o
financiamento.
"Pena que eu não peguei alguma
coisa, agora está interditado", disse ela.
Apesar do choque, Fátima disse
que ainda tem vontade de ir ao
apartamento, mesmo sabendo
que estaria correndo risco de vida.
"Será que não é a minha TV?",
disse Fátima quando um morador
do bloco 1 -que também foi interditado, mas de onde os moradores puderam retirar seus pertences- passou carregando uma
televisão.
"Estava pagando os eletrodomésticos mês a mês com muito sacrifício. Agora tudo que era novo
está velho", lamentou.
Dívida
O engenheiro José Borges, que
morava desde julho do ano passado no apartamento 1.408 do bloco
2, disse que estava escrevendo em
seu computador quando aconteceu o primeiro tremor do edifício.
"Todos os vidros balançaram e
então liguei para o porteiro, que
não sabia de nada."
Ele foi avisado depois pelo tenente-coronel Marcos Silva sobre
o problema com a estrutura do
edifício.
"Chamei minha mulher e desci,
mas ainda voltei para pegar documentos", disse Borges.
Ele estava devendo oito meses da
prestações de seu apartamento,
pois gastara muito dinheiro com
os acabamentos internos. O engenheiro disse que na última sexta-feira entregou um cheque de R$
12 mil para quitar a dívida.
"Vou sustar esse cheque e entrar
com outro processo contra a
construtora junto com os moradores", disse.
Após o desabamento, os moradores fizeram uma contagem informal, para saber quem estava e
quem não estava no edifício.
(FELIPE WERNECK E WILSON TOSTA)
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