São Paulo, segunda, 23 de fevereiro de 1998

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OPINIÃO
Aprendendo de verdade

ESTHER GROSSI

A fuga do essencial, em matéria de educação, transforma programas bons em meras peças de marketing. "Todos na escola" é uma meta urgente e importantíssima. E nisso estamos abraçadíssimos, governo e oposição. Devemos todos nos engajar nesse belíssimo esforço. O mínimo a que se aspira é que todos os brasileiros que devem estudar tenham lugar na escola, para nela aprender de verdade.
Repudiamos veementemente que a escola seja hoje, para uma enormidade de alunos, lugar em que eles se estigmatizam como incapazes de aprender. Beiramos os 50% de insucesso nas classes de alfabetização. De cada mil alunos que terminam a 8ª série, temos a insignificância de 43 que chegam lá sem repetir nenhum ano letivo.
Paradoxalmente, isso acontece no Brasil quando a ciência descobre um potencial surpreendente no cérebro. Autistas, sindrômicos genéticos e lesionados cerebrais proporcionam o espetáculo promissor da demonstração de estágios impensados até pouco tempo atrás de rendimento cognitivo, desde que se utilize com eles uma nova e adequada pedagogia.
A nossa escola é uma indústria eficacíssima em produzir desiludidos quanto às suas possibilidades de nela aprender, o que leva a consequências profundas. Os relegados pelos sistemas escolares e pela sociedade nos provam sua capacidade de aprender com eficácia em outros domínios, podendo chegar ao crime e à violência.
Só que, para ensinar de verdade nas escolas, é imperativo superar a ausência de clareza sobre como se aprende. A mistura de diversos modelos, grave em qualquer lugar do mundo, torna-se, num país das dimensões brasileiras, problema da maior envergadura -um ralo de recursos financeiros para a educação, atingindo a União, os Estados e os municípios.
Tentar escapar desse ralo sem atacar de frente o problema da não-aprendizagem é erro político inadmissível. A diminuição de despesas à base de estratagemas periféricos, como o aumento de duração da hora-aula para poder demitir professores, não redundará em mais aprendizagem.
É fundamental reduzir despesas atacando o efeito em sua causa -acabando para valer com a repetência, não a mascarando com a instituição de ciclos. Para isso, o centro é o professor, ou melhor, sua atualização em pedagogia, o que acarreta seu engajamento, ao lado de pesquisadores de todo o país, na elaboração de práticas a ser usadas no ensino-aprendizagem, à luz das muitas novidades com que somos brindados pelas ciências da inteligência.
Todos na escola, sim. Essa é uma aspiração suprapartidária. Mas nela aprendendo de verdade.


E sther Pillar Grossi, 61, doutora em psicologia da inteligência pela Universidade de Paris (França), é deputada federal pelo PT-RS.



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