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PAULICÉIA DESVAIRADA
Carnaval paulista é um neto doido do Modernismo
MARCELO RUBENS PAIVA
especial para a Folha
"O Carnaval de São Paulo
está ficando tão bom quanto o
do Rio?", foi a pergunta que me
fizeram no desfile das escolas
de samba paulistas. A comparação é injusta.
O samba, aqui, é mais rápido.
No Rio, não se vêem tantas
gordinhas e quase não existem
descendentes de japoneses.
Banzai!
O Carnaval de São Paulo anda antropofágico. Na avenida,
vêem-se simulações de Darth
Vader, Michael Jordan, Pedro
2º, piratas cibernéticos, clonagem, cowboys e o trem das 11
rodeado de colombinas e passistas de todas as raças. É um
neto doido da "Semana de 22".
Ano a ano, o desfile paulista
se distancia de seu mentor carioca, procura uma identidade
própria e, talvez por isso, sobe
um degrau em qualidade -já
se foi o tempo de fantasias remendadas, tecidos que se desfaziam e carros alegóricos emperrados.
Uma das maiores vantagens
do Carnaval de São Paulo é o
leque de enredos. Podem se inspirar na legítima tradição do
Carnaval carioca e homenagear a Mangueira (Nenê), podem olhar para dentro e resgatar Adoniram Barbosa (Rosas
de Ouro) e enaltecer a colônia
japonesa (Vai-Vai).
O dia em que o Carnaval de
São Paulo romper definitivamente os laços com o do Rio, o
campo vai estar aberto para
vôos até mais ousados.
E como "tradição", em São
Paulo, engatinha (a X-9 Paulistana, campeã do ano passado, tem pouco mais de 20 anos,
sem contar a Gaviões da Fiel,
que era um bloco há dez anos),
o futuro é de ninguém.
A maior delícia de um desfile
é ver a alegria de uma infinidade de anônimos. É a festa
dos comuns. Vez ou outra, você
reconhece alguém. "Olha, o gerente do meu banco". "Aquele
lá não é o dono da padoca?"
Mas bem que uma estrela como Miguel Falabela, acompanhando no chão uma escola
(Nenê), ajuda a levantar a arquibancada. Sua passagem foi
saudada e bem calculada: à
frente da bateria e logo no começo da escola.
Carla Perez parecia escondida no carro alegórico. "É mesmo a Carla Perez?", perguntava-se. Um dos puxadores da escola Mocidade Alegre procurava a cumplicidade do público.
"Olha a Carla, gente!", gritava.
Em vão. Era mesmo a Carla
Perez?
O jogador Viola estava em
uma a cada três escolas. Muito
pagodeiro famoso também. E a
moça Globeleza deveria mudar
de nome -ela deve ter um.
"Olha lá a Globeleza!", diziam.
É curioso como o Sambódromo é dos lugares em que mais
se escutam palavras como "encantou", "mistérios e magias",
"sonhos", "esplendor" ou, para
caprichar, "resplendor".
É, também, um dos poucos
lugares em que se acredita na
ciência, num futuro de clonagem, biotecnologia, e que reverencia nosso passado, destacando personagens do Império
que, em outras rodas, são motivos de chacota. São uns otimistas esses carnavalescos. São do
bem.
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