São Paulo, segunda, 23 de fevereiro de 1998

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PAULICÉIA DESVAIRADA
Carnaval paulista é um neto doido do Modernismo

MARCELO RUBENS PAIVA
especial para a Folha

"O Carnaval de São Paulo está ficando tão bom quanto o do Rio?", foi a pergunta que me fizeram no desfile das escolas de samba paulistas. A comparação é injusta.
O samba, aqui, é mais rápido. No Rio, não se vêem tantas gordinhas e quase não existem descendentes de japoneses. Banzai!
O Carnaval de São Paulo anda antropofágico. Na avenida, vêem-se simulações de Darth Vader, Michael Jordan, Pedro 2º, piratas cibernéticos, clonagem, cowboys e o trem das 11 rodeado de colombinas e passistas de todas as raças. É um neto doido da "Semana de 22".
Ano a ano, o desfile paulista se distancia de seu mentor carioca, procura uma identidade própria e, talvez por isso, sobe um degrau em qualidade -já se foi o tempo de fantasias remendadas, tecidos que se desfaziam e carros alegóricos emperrados.
Uma das maiores vantagens do Carnaval de São Paulo é o leque de enredos. Podem se inspirar na legítima tradição do Carnaval carioca e homenagear a Mangueira (Nenê), podem olhar para dentro e resgatar Adoniram Barbosa (Rosas de Ouro) e enaltecer a colônia japonesa (Vai-Vai).
O dia em que o Carnaval de São Paulo romper definitivamente os laços com o do Rio, o campo vai estar aberto para vôos até mais ousados.
E como "tradição", em São Paulo, engatinha (a X-9 Paulistana, campeã do ano passado, tem pouco mais de 20 anos, sem contar a Gaviões da Fiel, que era um bloco há dez anos), o futuro é de ninguém.

A maior delícia de um desfile é ver a alegria de uma infinidade de anônimos. É a festa dos comuns. Vez ou outra, você reconhece alguém. "Olha, o gerente do meu banco". "Aquele lá não é o dono da padoca?"
Mas bem que uma estrela como Miguel Falabela, acompanhando no chão uma escola (Nenê), ajuda a levantar a arquibancada. Sua passagem foi saudada e bem calculada: à frente da bateria e logo no começo da escola.
Carla Perez parecia escondida no carro alegórico. "É mesmo a Carla Perez?", perguntava-se. Um dos puxadores da escola Mocidade Alegre procurava a cumplicidade do público. "Olha a Carla, gente!", gritava. Em vão. Era mesmo a Carla Perez?
O jogador Viola estava em uma a cada três escolas. Muito pagodeiro famoso também. E a moça Globeleza deveria mudar de nome -ela deve ter um. "Olha lá a Globeleza!", diziam.

É curioso como o Sambódromo é dos lugares em que mais se escutam palavras como "encantou", "mistérios e magias", "sonhos", "esplendor" ou, para caprichar, "resplendor".
É, também, um dos poucos lugares em que se acredita na ciência, num futuro de clonagem, biotecnologia, e que reverencia nosso passado, destacando personagens do Império que, em outras rodas, são motivos de chacota. São uns otimistas esses carnavalescos. São do bem.



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