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PASQUALE CIPRO NETO
Raiz e raízes
Na última segunda-feira,
foi inaugurado o Museu da
Língua Portuguesa. Na terça, a
imprensa deu destaque a um erro
de acentuação presente num dos
painéis do museu (grafou-se
"raiz" com acento agudo no "i").
Vamos ao que conta (e que foi
objeto das mensagens de muitos
leitores): por que se acentua "raízes", mas não se acentua "raiz"?
De início, é imperativo dizer que o
fato de uma palavra ser ou não
ser acentuada no singular não
significa nada em relação ao plural. Há pares de todos os tipos
("açúcar/ açúcares", "raiz/ raízes", "hífen/ hifens", "bar/bares").
Também é preciso dizer que
ninguém deve decorar a acentuação de palavra por palavra (esta
tem, aquela não tem etc.) para saber acentuar de acordo com a
norma vigente. Basta conhecer o
mecanismo do sistema de acentuação de nossa língua. Como já
foi dito mais de uma vez neste espaço, o mecanismo se apóia numa relação binária, de exclusão.
Vamos direto à tradução disso.
No par "mulher/açúcar", por
exemplo, temos uma oxítona
("mulher") e uma paroxítona
("açúcar"), ambas terminadas em
"r". O que se faz? Coloca-se acento
nas duas? Ou não se acentua nenhuma? Nem uma coisa nem outra. Coloca-se acento na palavra
que pertence ao grupo minoritário -o das paroxítonas terminadas em "r", no caso.
Para que se perceba que de fato
é esse o grupo minoritário, basta
verificar que todos os infinitivos
portugueses terminam em "r" e
são oxítonos, ou seja, as oxítonas
terminadas em "r" são muito
mais numerosas do que as paroxítonas de mesma terminação.
Como diz a Barbara Gancia,
aposto um picolé de limão como
ninguém consegue dizer de bate-pronto mais de quinze ou vinte
paroxítonas terminadas em "r"
(não vale recorrer a programas de
computador). Quer um empurrão? Vamos lá: açúcar, dólar, éter,
cadáver, caráter, revólver, mártir,
sóror, fêmur... E o estoque começa
a escassear. Com um pouco de esforço, chega-se a "aljôfar", "âmbar", "nenúfar"... (que, por sinal,
são usadíssimas no dia-a-dia...).
Moral da história: se amanhã
de manhã surgir uma nova palavra na língua, se ela ganhar uso
freqüente a ponto de ir parar nos
livros, nos jornais etc. e se ela for
paroxítona terminada em "r", será grafada com acento gráfico. Sabe por quê? Porque todas as (poucas) paroxítonas terminadas em
"r" são acentuadas. E por que todas elas são acentuadas? Porque
nenhuma das (muitas) oxítonas
terminadas em "r" é acentuada.
E onde entra o caso de "raiz" e
"raízes" nessa história? Entra no
mesmo princípio (relação binária,
de exclusão). Nessas duas palavras ocorre hiato ("seqüência de
duas vogais que pertencem a sílabas diferentes", na definição do
"Aurélio"). Quando a segunda
vogal do hiato é "i" ou "u" (tônicos), coloca-se acento agudo, desde que esse "i" e esse "u" estejam
sozinhos ou acompanhados de
"s". É por isso que se põe acento
em "raízes" ("ra-í-zes"), mas não
se põe em "raiz" ("ra-iz" - o "i" é
acompanhado de "z" na sílaba).
Mas por que se põe acento na segunda vogal desses casos de hiato?
Onde está o outro lado da moeda?
Está no ditongo (como o que há
em "vai", por exemplo). Compare
"pais" e "país", por exemplo. Já
percebeu? Em "pais" ocorre ditongo; em "país", hiato. Como os hiatos são menos numerosos do que
os ditongos... É isso.
Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras
E-mail - inculta@uol.com.br
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