São Paulo, segunda-feira, 23 de abril de 2001

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TRANSPORTES

Usuários reclamam de falta de segurança nos vagões; problemas estão tanto em linhas estatais quanto nas privatizadas

"Trens fantasmas" carregam 9.000 no Rio

SABRINA PETRY
SÉRGIO TORRES
DA SUCURSAL DO RIO

Os vagões não têm portas, janelas nem bancos. Se chove, o chão fica alagado. Mendigos se estendem pelos cantos. Na penumbra proporcionada pela falta de iluminação, pessoas se drogam. Quando o trem pára, os passageiros encontram estações depredadas. Às vezes, presenciam assaltos e assassinatos.
A cena de filme de terror se desenrola diariamente diante dos cerca de 3.000 usuários da linha que vai de Saracuruna à Vila Inhomirim, na Baixada Fluminense. Servida por dois trens de três vagões cada, a linha pertence à SuperVia, que, em 1998, venceu licitação do governo do Estado do Rio para explorar 220 quilômetros de vias férreas.
Nos últimos dois anos, a SuperVia preferiu não cobrar passagem a investir no trajeto, único ramal a diesel dos seis que arrematou por R$ 279,657 milhões (os outros são movidos a eletricidade).
Mas a linha se transformou no "patinho feio" das ferrovias do Estado, junto com outras duas, também a diesel, que não foram privatizadas.
Nos dois ramais que permaneceram sob controle da estatal Flumitrens, a situação também não é a melhor para os 6.000 usuários.
Os vagões que fazem o trajeto Niterói-Itaboraí (municípios a 14 km e 45 km do Rio, respectivamente) e Magé-Guapimirim (Baixada Fluminense) são da década de 60. Não possuem portas e estão pichados e enferrujados, embora contem com bancos, janelas e pontos de iluminação.
"A privatização do sistema ferroviário do Rio de Janeiro não apresentou o resultado esperado", diz Amaranto Pereira, professor de pós-graduação em transportes da Coppe-UFRJ (Coordenação dos Programas de Pós-Graduação em Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro).
Segundo ele, há esforço para melhorar o sistema, mas os investimentos não são suficientes e falta pessoal especializado. No total, os oito ramais metropolitanos do Rio transportam cerca de 320 mil passageiros por dia.

No escuro
No trajeto Saracuruna-Vila Inhomirim, os trens circulam a intervalos de uma hora. Param em seis estações, todas depredadas. O ramal não possui segurança e torna-se especialmente perigoso durante a noite, por causa da falta de iluminação.
"Aqui sempre foi ruim, mas desde que a SuperVia assumiu piorou, porque a passagem deixou de ser cobrada e o trem passou a ser frequentado por assaltantes e viciados. Outro dia, um homem foi assassinado aqui dentro e jogado nos trilhos", contou um funcionário, que trabalha há 14 anos no ramal e não quis se identificar.
O segurança Alexander Ferreira Matos, que faz parte da equipe de cerca de 700 homens de uma empresa contratada para supervisionar os outros cinco ramais da SuperVia, conta que os agentes só são mandados para a linha de Saracuruna em emergências.
"Não podemos fazer nada, porque a passagem não é cobrada. Como é que vamos decidir quem pode e quem não pode entrar no trem?", questiona.
O ramal circula por locais pobres e pouco habitados.
"Eu tenho pavor de usar esse trem. Não suporto o cheiro e morro de medo de acontecer alguma coisa comigo. Já vi vários assaltos acontecerem", afirma Giovani Magalhães, 18.
Nos dois ramais a diesel da Flumitrens, a passagem, de R$ 0,60, continua sendo cobrada. Mas os trens quebram constantemente, deixando os usuários sem o transporte. De acordo com a estatal, desde 1998 não são feitos investimentos, só manutenção.
O trem de Guapimirim é conhecido como o "trem do apito", por causa do sinal intermitente que emite durante todo o percurso. O motivo: em alguns pontos, a composição, que trafega por meio de favelas, passa a alguns centímetros das casas.
O transporte circula duas vezes por dia, uma de manhã e outra no fim da tarde. Pelo ramal de Guapimirim, passam diariamente cerca de 5.000 pessoas, e pelo de Niterói, 1.000.
Passageiros reclamam de que algumas estações foram suprimidas dos trajetos. "Existia uma estação aqui [Niterói" chamada Vila Lage. Agora o trem não pára mais lá. Às vezes, o maquinista pára por bondade. Quando não, temos de pular e as crianças são jogadas para dentro ou para fora do trem", diz a moradora Adalgisa Magalhães, 66.
"Eu levo um jornal para sentar nos bancos e ainda chego surdo em casa por causa do apito. Minha garganta está sempre irritada por causa da poeira", conta o pedreiro Sérgio Barreto da Silva, 36.


Texto Anterior: Sistema prisional: Três detentos ficam feridos em rebelião de 12 horas em Itirapina
Próximo Texto: BNDES deverá liberar R$ 360 mi ainda neste ano
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.