São Paulo, sábado, 23 de abril de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LETRAS JURÍDICAS

Esperando o controle externo da magistratura

WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA

O Supremo Tribunal Federal julgou improcedente, por maioria, a ação na qual a Associação dos Magistrados Brasileiros afirmava a inconstitucionalidade de emenda criando conselho nacional, integrado por pessoas estranhas ao Judiciário, ao lado de componentes da Justiça oficial, competente para apreciação administrativa da conduta dos juízes e seu apenamento.
O voto vencedor do ministro Antonio César Peluzo entra para a história pela natureza da decisão em si mesma e pelo rigoroso cuidado científico, social e jurídico com o qual deslindou o assunto. A conclusão pela constitucionalidade, impugnada pela entidade dos magistrados, nega infração da garantias de independência e harmonia dos três Poderes (artigo 2º) e afirma ser a iniciativa e o texto da emenda compatíveis com as normas da Carta Magna, referentes a essa forma legislativa (artigo 60).
Os votos divergentes valorizaram o debate. Retomaram discordâncias antigas, mesmo antes da votação no Congresso Nacional, reunido sob forma de Assembléia Constituinte, terminada em outubro de 1988. O ministro Carlos Mario Velloso há muitos anos vem dando contribuição lúcida para a discussão. Defende a existência de conselho nacional e de conselhos estaduais da magistratura, mas critica os "conselhos integrados por membros de outros poderes", o que seria "incompreensível". Serve de exemplo o capítulo de sua autoria no livro "O Judiciário e a Constituição" (Saraiva, 1994, p. 134), organizado pelo ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira.
O presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Nelson Jobim, recordou dados de sua experiência como constituinte de 1988 e, depois, como deputado federal e ministro da Justiça. Retratou momentos dos debates a respeito da reforma do Judiciário. Referiu-se a juízes das várias Justiças brasileiras (estadual, federal, eleitoral, militar, trabalhista, civil e criminal) e participações de advogados e de membros do Ministério Público, com desarmonias freqüentes. Recordou posições dessas entidades ou dos órgãos públicos respectivos, marcadas por forte variedade de opiniões conflitantes. Parecia, então, que cada segmento do universo dos operadores do direito estava mais animado pelo propósito de "puxar a brasa para sua sardinha" e menos pelo de encontrar uma solução boa para todos.
A dissonância entre os interessados continua. Mesmo no controle externo houve segmentos a favor (a magistratura trabalhista) e contra (a entidade nacional dos magistrados). A fala de Jobim confirmou a visão desta coluna, segundo a qual não temos, no Brasil, um Poder Judiciário propriamente dito, no sentido estrito de Poder. Temos, sim, várias Justiças oficiais, percorrendo cada uma delas seu próprio caminho. Temos muitos ramos jurisdicionais operando em sistemas dissonantes de trabalho, sem ligação ou harmonia nos grandes temas, sem uniformizarem procedimentos de organização racional do trabalho ou práticas processuais. Sem atitudes de seus componentes que os coloquem como um todo, em face de sua clientela.
O novo sistema de controle, a ser implementado em breve, não será a árvore milagrosa que sonhamos, como diria o poeta, nem sempre a poremos onde estamos. Temos, contudo, a falência do sistema existente, conforme disseram os ministros Jobim e Sepúlveda Pertence. Sem o Conselho Nacional de Justiça (artigo 92, 1-A) e os correspondentes conselhos regionais ou estaduais, a Justiça Oficial não funciona bem. Apenas a leve esperança de que venha a funcionar com a nova estrutura constitucional confirmará o ânimo para continuar na luta pelo seu aperfeiçoamento.


Texto Anterior: Turista é assassinado durante assalto na praia de Pitangueiras
Próximo Texto: Livros Jurídicos
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.