São Paulo, domingo, 23 de maio de 2004

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Capital paulista é o grande centro da comunidade chinesa; padres ajudaram imigrantes

Chineses em São Paulo

Eduardo Knapp/Folha Imagem
Bailarinas do grupo de dança chinesa Tangyun, que vivem em São Paulo; segundo consulado, há cerca de 200 mil chineses no país


EDNEY CIELICI DIAS
DA REDAÇÃO

Quem passa pela rua Santa Justina há de notar um edifício híbrido, que combina elementos de arquitetura oriental com símbolos cristãos. Se visitar o templo na manhã de domingo, poderá assistir a uma missa em chinês.
A igreja Sagrada Família, na Vila Olímpia, zona sul, guarda dois personagens que têm suas vidas ligadas à imigração chinesa em São Paulo -os padres Ho e Siao.
José Ho Yen Chao, 82, e Pedro Jim Ming Siao, 80, chineses de regiões próximas a Pequim, estabeleceram-se no país em 1957, depois de períodos de estudo na Itália e na Bélgica. A revolução comunista na China, de 1949, espalhou refugiados pelo mundo. Os dois padres vieram para cá nesse contexto histórico.
Há registro da presença chinesa no país desde o início do século 19, inicialmente ligada à agricultura do chá e à construção civil. Foi na segunda metade do século 20, porém, que o Brasil passou a receber um contingente de chineses que vinham com o objetivo de criar raízes.
Padre Ho e padre Siao se dedicaram a auxiliar os grupos que aportavam com certa regularidade em Santos. Quando tinham a notícia da vinda de navio com chineses, desciam a serra para auxiliá-los. Eram grupos de 40 a 200 pessoas em uma terra da qual conheciam pouco e cujo idioma local era uma barreira -e parece não ser exagero dizer- mais difícil do que as distâncias oceânicas.
Os dois religiosos se tornaram referência para a comunidade imigrante que começava a se estabelecer no país e, sobretudo, na cidade de São Paulo.
É difícil dimensionar a presença chinesa no Brasil. Existem problemas de declaração de nacionalidade e imigrantes irregulares. O Consulado da China em São Paulo calcula que há 200 mil pessoas no Brasil entre chineses, chineses naturalizados e descendentes. Mas há também estimativas de uma população em torno de 100 mil. Esses levantamentos indicam a capital paulista como o grande centro chinês, com cerca de 90% dessa população. Rio de Janeiro e Curitiba viriam na seqüência do ranking populacional.
Na São Paulo que não podia parar das décadas de 50, 60, 70 e 80, os dois religiosos chineses ficaram conhecidos das autoridades. No porto, os padres Ho e Siao desembaraçavam a bagagem. Na Justiça, testemunhavam a favor de chineses. Padre Ho conta que, mais de uma vez, questionaram se ele não tinha mais o que fazer. A resposta era que o auxílio ao imigrante era a sua caridade.
Grande parte da população de origem chinesa no país adotou o cristianismo -católico ou protestante. Outra parte segue a tradição budista. A assistência prestada pelo núcleo dos padres foi perdendo importância à medida que se multiplicaram as associações comunitárias. A igreja Sagrada Família foi construída com ajuda de imigrantes em sua maioria não-católicos, em reconhecimento à atuação dos religiosos.
Os chineses não têm um bairro específico, não há um Chinatown paulistano. Em geral, acompanharam a distribuição espacial dos japoneses. Ocupam bairros como Liberdade, Vila Mariana, Cambuci, Aclimação e a própria Vila Olímpia.

Terra estrangeira
História de imigrantes envolve necessariamente iniciativas empreendedoras e soluções inusitadas para problemas prementes.
Empresários de origem chinesa foram bem-sucedidos no país e criaram grandes grupos. De uma forma geral, o estrangeiro teve de encontrar soluções para seus problemas cotidianos. Se não renderam fortuna, elas foram importantes em dado momento.
Em 1971, Chen Tsung Jye, professor do Departamento de Línguas Orientais da USP, era um engenheiro químico que, nascido no sul da China, se formou em Taiwan e especializou-se nos EUA.
Veio visitar parentes em São Paulo. No centro, viu o ônibus Cidade Universitária. Não conhecia nada da capital, mas, com seus conhecimentos de inglês, enxergou na placa uma oportunidade.
Pegou o ônibus e parou no ponto final, na época perto do IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas). Insistiu com o porteiro para ter contato com alguém que falasse inglês. Resultado: trabalhou 25 anos na instituição.
Também no início dos anos 70, o recém-chegado professor David Jye Yuan Shyu, chinês nascido na Indonésia, precisava validar sua carteira de motorista. No Detran, pediram-lhe que fizesse um ditado. Graças ao conhecimento de indonésio, com sonoridade próxima ao português, pôde acertar número suficiente de palavras. "Estacionamento" era uma delas. Ficou no Brasil e gosta de feijoada.


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