São Paulo, domingo, 23 de maio de 2004

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DANUZA LEÃO

Segredos

Dentro de cada coração há um segredo que jamais será dito à melhor amiga, nem ao padre nem ao analista. Não que seja uma coisa feia, mas é alguma coisa que não poderá, jamais, ser dividida com ninguém, uma coisa só sua.
Pode se tratar de um fato que aconteceu, uma linda história de amor ou apenas um delírio de imaginação, mas dele ninguém vai saber, nunca. Virou uma mania contar tudo o que nos acontece; por não conseguir guardar um segredo ou para pedir uma opinião, nem que seja para fazer exatamente o contrário. Mas as sérias de verdade, que vêm lá do fundo, essas não se conta.
A gente tem a mania de achar que certas coisas só acontecem com mulheres muito bonitas e homens muito interessantes: quanto engano. Na vida da mais humilde doméstica da periferia podem ter acontecido coisas que fariam inveja à mais bela e cobiçada mulher, que talvez por cuidar tanto de sua beleza e de sua elegância nunca teve tempo de prestar atenção a seu próprio coração.
Quando estiver num lugar cheio de gente, comece a prestar atenção nas pessoas, uma atenção diferente, cuidadosa. Vai perceber que a mais escandalosamente linda das lindas -aquela cujo decote vai até o umbigo e cuja fenda da saia vai até a cintura- não está vestida dessa maneira para verdadeiramente conquistar um homem, mas para conquistar todos eles; e todos, nesse caso, quer dizer nenhum.
Mas em algum canto dessa festa vai haver uma mulher normal, de uma idade mais pra lá do que pra cá, conversando com uma amiga; uma daquelas mulheres que se olha e não se pensa nada, a não ser que ela namorou, noivou, casou, teve filhos, foi fiel e que sua vida foi de um tédio atroz. Pois é aí que pode -e geralmente está- o engano.
Essas devem ter tido desejos intensos e inconfessáveis e ter vivido grandes e trepidantes histórias de amor; e quanto mais castas elas foram, mais paixões secretas tiveram.
Vamos deixar bem claro que desejar não é ter cometido nenhuma infidelidade, por isso nada mais natural que isso tenha acontecido com nossas mães, nossas tias mais castas, nossas avós. Talvez, na época pré-Freud, elas não conseguissem identificar o que estava acontecendo: o medo que alguns homens lhes causavam, o pânico de ficar sozinha na sala com alguns deles e a aversão intensa que outros lhes provocavam, o que, visto sob uma ótica mais moderna e esclarecida, poderia ser medo não deles, mas do desejo delas próprias; medo de se atirar no pescoço de um cunhado ou do filho do farmacêutico, que pela idade poderia ser seu próprio filho.
Quando estiver numa daquelas reuniões de família com aquelas tias que nunca perderam uma missa em toda a sua existência, ofereça uma bebidinha doce -um licor- e puxe pela língua. Ela não vai dizer tudo, até porque não sabe direito, mas não vai ser difícil para você desvendar os mistérios que se escondem naquele coração. E se quiser ser bem pérfida, puxe pela vida das outras, procure -sutilmente, claro- saber dos podres da família. Ou vai dizer que na sua nunca teve nenhum?
E quando olhar para sua avó, tão distinta, com os cabelos tão brancos, com um ar tão distante, imagine as loucuras que não devem ter passado pela cabeça dela -ou que talvez estejam passando ainda.
Eu tenho o meu segredo. Quem não tem?


E-mail - danuza.leao@uol.com.br


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