São Paulo, domingo, 23 de maio de 2004

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SAÚDE

Distúrbio é caracterizado por movimentos bruscos involuntários; ocorrência é mais comum entre as mulheres

Pernas inquietas podem indicar síndrome

DA REPORTAGEM LOCAL

Durante o dia, o aposentado Cláudio Contesini, 64, sentia uma vontade incontrolável de mexer as pernas. Eram movimentos bruscos, repetidos e que duravam alguns segundos. À noite, sua mulher se queixava de que ele lhe dava pontapés enquanto dormia. Foi assim durante 18 anos.
Há sete meses, Contesini encontrou explicação para o problema que tanto o incomodava: síndrome das pernas inquietas (SPI), um distúrbio que atinge até 10% da população mundial com mais de 25 anos.
A síndrome se caracteriza, principalmente, pela necessidade de movimentar os membros inferiores. A pessoa sente formigamento, câimbras, puxões, coceiras ou queimação nas pernas, e o alívio só vem com o movimento. O problema se repete durante o sono e, em razão da noite maldormida, a pessoa acorda cansada, irritada e sonolenta.
Embora tenha sido descrita há quase quatro séculos, a síndrome é desconhecida por muitos médicos. O caso de Contesini, que havia passado por sete especialistas antes de descobrir o motivo dos movimentos incontroláveis, é um bom exemplo.
Segundo o neurologista João Carlos Papaterra Limongi, do Hospital das Clínicas de São Paulo, é comum os pacientes relatarem uma verdadeira via-crúcis por consultórios médicos até iniciarem o tratamento correto. "A pessoa passa por ansiosa, sem paciência, nervosa. Não é um problema neurológico, tem causa biológica", afirma.
A causa da síndrome ainda é um enigma. Uma das hipóteses mais prováveis é que o problema esteja relacionado a uma falha na função do neurotransmissor dopamina (um dos responsáveis pelas sensações de prazer e bem-estar). Por isso o tratamento mais comum é com medicamentos que regulam a função dopaminérgica.
Com o tempo, afirma o médico, metade dos pacientes tende a piorar. Apresentam, por exemplo, urgência de movimentar outras partes do corpo. Já outros 15% parecem se curar espontaneamente.
O diagnóstico da síndrome é baseado na história fornecida pelo paciente. Segundo a reumatologista Evelin Goldenberg, do Hospital Israelita Albert Einstein, é preciso investigar se o distúrbio tem causa primária ou secundária. São indicados exames de dosagem de ferro, de ácido fólico, de uréia e de creatina para verificar a existência de doenças associadas.
A fibromialgia, a insuficiência renal crônica, a artrite reumatóide e outras inflamações musculares e da articulação podem provocar sintomas iguais aos da síndrome.
Ela afirma que o distúrbio atinge duas vezes mais mulheres do que homens, especialmente aquelas que apresentam deficiências de ferro e ácido fólico em razão de dietas radicais ou da gravidez.
Segundo o neurologista Limongi, os pacientes, em geral, procuram um médico porque se constrangem com os movimentos involuntários ou por pressão do cônjuge, que não agüenta mais "apanhar" durante a noite.
Um dos instrumentos utilizados para fechar o diagnóstico da síndrome é a polissonografia, exame que registra o que acontece durante o sono, como atividade cerebral, movimentos oculares e contrações musculares.
De acordo com Marco Túlio de Mello, professor do Departamento de Psicobiologia da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), o exame indica o número de movimentos e o período em que eles ocorrem. Essas informações ajudarão o médico a definir o tipo e a dosagem de medicamento a serem indicados. Há drogas, por exemplo, que atuam no início do sono, e outras, no final.
Segundo ele, durante o sono, é comum um outro distúrbio muito parecido com a SPI: o MPM (Movimento Periódico dos Membros). A diferença é que os movimentos são ritmados e, em geral, só ocorrem quando a pessoa está dormindo. Já a síndrome pode ocorrer durante o dia e os movimentos são aleatórios.
Cerca de 30% dos pacientes com MPM também sofrem com as pernas inquietas. Entre quem tem SPI, 70% a 90% apresentam o movimento periódico.
(CLÁUDIA COLLUCCI)


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