São Paulo, quinta, 23 de julho de 1998

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INFÂNCIA ROUBADA
Pais, tios, irmãos e avós foram os autores de 34,4% dos homicídios de crianças registrados em 1997
Parente é principal autor de morte infantil

DANIELA FALCÃO
da Sucursal de Brasília

Parentes são os principais responsáveis pelo assassinato de crianças entre zero e 11 anos no país nos casos em que o autor do crime é conhecido, segundo levantamento inédito do MNDH (Movimento Nacional de Direitos Humanos) obtido pela Folha.
É a primeira vez que se faz esse tipo de estudo nacionalmente. O MNDH analisou todos os homicídios contra crianças e adolescentes noticiados por jornais de 14 Estados do país de janeiro a dezembro do ano passado (três Estados da região da Norte, seis da Nordeste, dois da Centro-Oeste, dois da Sudeste e um da região Sul).
Pais, avós, tios e irmãos foram os autores de 34,4% dos homicídios infantis registrados em 1997. Amigos e vizinhos são responsáveis por 4,6% das mortes violentas. O autor do crime não é conhecido em 55,3% dos casos.
Muitos dos crimes investigados ocorreram na própria casa das crianças (44,3% dos casos), comprovando que o ambiente doméstico é, em muitos casos, perigo e não proteção para as crianças.
Os dados brasileiros são semelhantes aos dos Estados Unidos, onde 20% dos assassinatos de crianças são cometidos por membros da família, segundo estudo do Departamento de Justiça.
Já entre os adolescentes, o levantamento constatou que os membros da família são responsáveis por apenas 3,8% das mortes violentas. A proporção de assassinatos cujo autor é desconhecido é bem maior entre jovens (de 12 a 17 anos) do que entre crianças: 80,2% contra 55,3%.

Diagnosticar cedo
A maneira mais eficaz de diminuir o número de crianças e adolescentes que morrem por causa da violência doméstica, segundo especialistas, é detectar os abusos o mais cedo possível.
Isso porque, antes da agressão fatal, é comum ocorrerem atos de abuso físico isolados, que servem de alerta se forem detectados cedo.
O ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) estabelece que médicos e professores são obrigados a denunciar todos os casos -suspeitos ou confirmados- de maus-tratos a crianças aos órgãos competentes. Entretanto, a maioria das denúncias de abuso físico, sexual e psicológico contra crianças continua sendo feita por vizinhos e por telefonemas anônimos.
No SOS Criança de São Paulo -um dos maiores serviços de atenção a crianças vítimas da violência- apenas 17,7% das denúncias foram feitas por profissionais. A maioria das queixas foram apresentadas por vizinhos (34,4%) ou telefonemas anônimos (30,7%).
Para corrigir o problema, uma das principais providências que será tomada pelos signatários do Pacto Contra a Violência Intrafamiliar é oferecer cursos de treinamento e reciclagem a profissionais de saúde e educação para facilitar a identificação da violência contra crianças e adolescentes.
A primeira iniciativa prática da Campanha Nacional contra a Violência Intrafamiliar -coordenada pela ONU (Organização das Nações Unidas) e pelo governo federal- começa a funcionar hoje.
Qualquer pessoa que queira dar sugestões para prevenir a violência doméstica ou de formas alternativas para punir os agressores pode ligar para a Secretaria Nacional de Direitos Humanos.
Das 8h às 12h e das 14h às 16h, um funcionário da Justiça estará à disposição para ouvir as sugestões pelo telefone (061) 321-7491. Quem preferir pode enviá-las pelo fax (061) 224-6398.
"Queremos captar o máximo de idéias possíveis. Já temos boas leis para punir os agressores e proteger as vítimas, o problema é a dificuldade de implantar essas leis", diz José Gregori, secretário nacional dos Direitos Humanos.
Hoje pela manhã, a ONU, o governo federal e 60 entidades nacionais ligadas aos direitos da mulher e da infância assinam o termo de adesão à campanha, na sede da Opas (Organização Pan-Americana da Saúde), em Brasília.
Em 25 de novembro, será finalmente assinado o Pacto Comunitário Contra a Violência Intrafamiliar, em que cada entidade signatária terá de descrever o que fará para reduzir as agressões em casa para o próximo ano.



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