São Paulo, segunda-feira, 23 de agosto de 2004

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"Quando acordei, ela estava morta"

DA REPORTAGEM LOCAL

Assassinada brutalmente na madrugada de ontem, a sexta vítima dos ataques a moradores de rua dizia se chamar Maria, tinha cerca de 40 anos e, nos últimos dias, não estava se sentindo muito bem. "Antes de dormir [anteontem], ela disse que estava sentindo umas dores", disse Sheila Soares de Moraes, 54, que vive na rua.
"Dorme, Maria, fica quietinha que vai passar", eu disse a ela. Quando acordei, ela estava morta", conta Sheila, que viu a moradora de rua ensangüentada ao seu lado. Apenas as duas dormiram no local. Da colega, sabia pouco. Há dois dias Maria havia resolvido dormir naquela rua, na Liberdade (centro), sem dizer de onde vinha ou aonde pensava em ir.
As poucas coisas que possuía estavam ontem espalhadas pela calçada, sujas de sangue: uma sacola xadrez, um pente fino, um xale lilás, algumas blusas e panfletos de candidatos a vereador e à prefeitura da cidade.
Sheila afirma que não viu nem ouviu nada. "Por incrível que pareça, eu realmente não sei o que aconteceu." À tarde, ela continuava deitada perto do local, apesar dos apelos de amigos para que fosse dormir em um albergue ou perto de um posto policial. "Eu já vi tanta coisa nessa vida que não tenho medo de nada. Antes de dormir, eu me benzo. Mas ir para perto de polícia é bobagem."
Os vigias da revendedora de automóveis ao lado do local onde a moradora de rua foi morta também disseram não ter visto nada. "A equipe da noite disse que, às 3h, fez uma ronda aqui embaixo e estava tudo bem. Então eles fizeram uma ronda nos andares de cima e, quando voltaram, mais ou menos uma hora depois, ela já estava morta", disse o vigia Antonio Eliene Silva Santos, 29.
Assim como Maria, outras três vítimas permanecem não identificadas no IML e devem ser enterradas nos próximos dias. As duas únicas vítimas reconhecidas foram Cosme Rodrigues Machado, 56, e Ivanildo Amaro da Silva, 41, o travesti Pantera. Eles foram enterrados anteontem.
Machado tinha problemas psiquiátricos e dormia numa van, a pedido da proprietária, até sofrer ameaças de desconhecidos e voltar para a rua, segundo disse a uma amiga, Cristina Silva, 28.
Ontem, o programa "Pânico na TV", da Rede TV!, homenageou Pantera, que costumava participar das pegadinhas feitas pelo programa no centro da cidade.


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