São Paulo, segunda-feira, 23 de agosto de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Regras limitam adesão a albergues

DA REPORTAGEM LOCAL

"Além da assistência social e do monitoramento, seria importante que os moradores de rua tivessem algum tipo de apoio psicológico. Muitos não conseguem mais lidar com regras depois de muito tempo nas ruas", explica o ex-morador de rua Sebastião Nicomedi de Oliveira, 37. Para ele, esse é um dos principais pontos que explicam por que muitas pessoas em situação de rua se recusam a dormir em albergues.
Um outro motivo para tantas pessoas ainda preferirem as calçadas e os viadutos aos albergues da Prefeitura de São Paulo é bastante prático e imediato, segundo Oliveira: "não há vagas para todos".
Oliveira afirma que muitos moradores de rua não encontram vagas e acabam dormindo em frente aos albergues municipais. São Paulo tem cerca de 10.400 pessoas vivendo em situação de rua e 7.500 vagas em albergues.
A Secretaria de Assistência Social refuta a afirmação de Oliveira. "Temos vagas, sim. Temos inclusive uma central de vagas que age quando um albergue está lotado e busca uma vaga na rede. Temos tido sobra de vagas, mas temos capacidade para uma ampliação diária. Temos estoque de colchões, de roupas de cama, de alimentação e de camas de campanha", disse ontem a secretária Aldaíza Sposati.
Para muitos moradores de rua ouvidos pela reportagem, ampliar a rede de moradias provisórias e criar hotéis populares com diárias a R$ 1 seria uma maneira de melhorar as condições de atendimento a essa população.
O marceneiro Alan Aparecido Braga, 40, é cadastrado no albergue Cirineu, próximo à Câmara Municipal (centro). Ainda assim, ele diz dormir todas as noites com um grupo de até 20 pessoas, na avenida Brigadeiro Luís Antônio, perto de um quartel. Questionado sobre sua escolha, ele diz que não quer "cuspir no prato que comeu". "A pessoa tem que ir lá para ver qual é a realidade", disse.
"Nos albergues têm muitas regras rígidas para nós. Aí o pessoal acaba preferindo a independência e a liberdade da rua", afirma Cristiano Jorge do Nascimento, 28, morador de rua há dois anos. "Só se pode demorar três minutos no banho, se chegar atrasado perde a janta... É complicado." Segundo Nascimento, o clima entre os moradores de rua está extremamente tenso desde os primeiros ataques da madrugada de quinta. "Estamos muito amedrontados. Os albergues estão até mais cheios."
A Assistência Social confirma que a procura por vagas em albergues foi, nos últimos dias, maior que a média de dias úteis das instituições. Anteontem, por exemplo, 480 moradores foram atendidos contra uma média de 300 em dias normais. O número de atendidos fica atrás, no entanto, da média de 640 acolhidos nos dias mais frios do inverno.
Elias Carlos Barbosa Silva, 29, já morou no albergue Cirineu durante três meses do ano passado.
Segundo ele, depois que passou a participar do programa Operação Trabalho, da Secretaria do Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade, recebeu um prazo para sair do albergue.
A prefeitura garante estadia de 90 dias nos albergues municipais. Após esse período, a situação é reavaliada. O prazo pode ser estendido ou as pessoas são encaminhadas para a moradia provisória e depois para um programa de locação social.
Silva conta que após ter saído do albergue, morou alguns meses na rua até ocupar, com um grupo de sem-teto, um prédio no centro. "É muito difícil conseguir vagas. Se as pessoas tivessem como dormir no albergue, muitos desses crimes não teriam acontecido."


Texto Anterior: Morador diz faltar vaga em albergue
Próximo Texto: "Quando acordei, ela estava morta"
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.