|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
GILBERTO DIMENSTEIN
Feliz aniversário
Não havia na escola clima para rir: muros pichados, janelas quebradas, tráfico. A diretora fora jurada de morte
DO ALTO de uma colina, a escola tem a vista de um cemitério que poderia entrar numa
lista mundial de recordes -muita
gente jura que, em nenhum lugar
existe, proporcionalmente, tantos
adolescentes enterrados. Soa, assim,
um tanto estranho que aquela escola municipal tenha sido batizada pela comunidade com o nome de Zacarias, o falecido "Trapalhão". Não havia ali nenhum clima para risadas:
muros pichados, banheiros detonados, janelas quebradas, tráfico de
drogas, guerra de gangues. Depois
de se desentender com alunos do
período noturno, uma das diretoras
foi jurada de morte e, de fato, tentaram matá-la. Como não a encontraram, tocaram fogo em sua sala.
A Zacarias fica nas fronteiras do
Jardim Ângela, apontado pela ONU,
no passado, como a região mais violenta do mundo; muitos de seus jovens eram enterrados no cemitério
Jardim São Luiz, quase que didaticamente em frente à escola. Foi nesse ambiente que chegou, em 1991,
Olgair Gomes Garcia, professora de
didática no mestrado e doutorado
da PUC, para ser a coordenadora pedagógica da escola. Acabou fazendo
dali um laboratório de prevenção à
violência. "Tínhamos de trabalhar a
auto-estima dos alunos e também a
de seus pais", diz. "Na periferia, é comum as pessoas não se sentirem valorizadas. É preciso fazer com que
aprendam a gostar de si próprias."
Ela teve a idéia de produzir, na escola, caprichadas festas coletivas de
aniversário. "No dia da festa é uma
alegria quando os estudantes vêem
suas fotos num telão." Os aniversários fizeram com que todos pudessem se conhecer pelo nome. Viu-se
que esse detalhe -todos se conhecerem pelo nome- era fundamental.
Nessa mesma busca de auto-estima, agregou-se ao currículo a "Semana das Trapalhadas". Nada de aulas expositivas: apenas oficinas de
bijuteria, culinária, arte e mídia. "Isso dá a sensação de que se podem fazer coisas belas", aposta Olgair, uma
ex-aluna do educador Paulo Freire,
com quem, depois, trabalhou na Secretaria Municipal da Educação.
Enquanto ganhava a confiança de
pais e alunos, Olgair conseguia ajuda
da comunidade para consertar banheiros, portas e janelas. Com o
plantio de árvores, fez-se um parque
de recreação, com quiosque e quadras, aberto nos finais de semana.
Tiraram pichações e iluminaram os
muros brancos -o que, à noite, dá
um ar de templo à Zacarias, por estar numa colina. "Conseguimos produzir um clima agradável, o que é
importante para o aprendizado."
Mas a iniciativa mais relevante de
Olgair só se tornou visível recentemente. Com a sua experiência de didática que ministrava na PUC, ela
ajudou a formar professores não só
da Zacarias mas de colégios públicos
próximos. Saíram-se bem acima da
média da cidade de São Paulo, na
Prova Brasil, o teste de matemática e
língua portuguesa -isso apesar de
aquelas unidades terem três turnos
diurnos. "A chave está no ânimo do
educador e na crença de que todos
podem aprender", diz ela, com 75
anos, idade em que muitos professores estão aposentados, há muito
tempo sem fazer nada. Muito menos
reinventar escolas da periferia.
Texto Anterior: Inquérito investiga se há ligação entre PCC e petistas Próximo Texto: A cidade é sua: Jornalista se queixa de atrasos de ônibus da Rápido Fênix Índice
|