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MISÉRIA
263 mil trabalhadores ganham menos de meio salário mínimo; valor não dá para comprar a comida necessária
Cesta básica não alimenta até o fim do mês
DA REPORTAGEM LOCAL
No quadro de fome da cidade
de São Paulo, nem as 60 mil famílias que recebem a cesta básica do
governo do Estado conseguem ingerir o número de calorias necessário para ter uma vida saudável,
segundo os padrões da Organização Mundial da Saúde (OMS).
Uma cesta básica custa aos cofres estaduais R$ 22 e alimenta,
teoricamente em média, famílias
de cinco pessoas durante um mês.
Essa comida, no entanto, é frequentemente dividida entre os vizinhos que ainda são mais pobres.
A maioria desses sem-comida
mora na chamada "franja" da cidade, a periferia propriamente dita das zonas leste, norte, sul e oeste, em bairros que ficam a pelo
menos 40 km do centro.
Nessas regiões há as taxas mais
altas de desemprego do município, segundo o Mapa da Exclusão
(um dos mais completos estudos
da situação social da capital paulista, elaborado pela vereadora Aldaíza Sposati, do PT) e estudos
para a implantação do Renda Mínima da Prefeitura de São Paulo.
Nessas localidades também estão as mais altas taxas de desnutrição infantil até seis anos, segundo a Pastoral da Criança.
O mínimo necessário
O "Mapa do Fim da Fome", desenvolvido pelo pesquisador
Marcelo Neri, da Fundação Getúlio Vargas, do Rio, mostra que, para consumir as quantidades de calorias diárias recomendadas pela
OMS, cada brasileiro precisaria
dispor de R$ 80 mensais.
A média do consumo de homens, mulheres e crianças deve
ser de pelo menos 2.000 calorias
diárias. Um copo de leite e um
prato de arroz têm cerca de 174
calorias. Acrescentando feijão a
essa ração, são 505.
Dos 7,1 milhões de trabalhadores da região metropolitana de
São Paulo (a maioria concentrada
na capital), 3,7% estão abaixo da linha da indigência: têm renda de
até meio salário mínimo (R$ 90),
segundo o Relatório de Indicadores Sociais do IBGE (Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística), lançado em abril último.
São 263 mil pessoas - sem contar crianças fora da escola e idosos- que não têm renda suficiente para comer, segundo padrões internacionais.
"Se eu não visse com meus
olhos e tocasse com as minhas
mãos eu também não acreditaria
que isso [fome" existe tão perto de
mim", diz a irmã Cecilia Zanet,
coordenadora da Diocese da Brasilândia da Pastoral da Criança.
Pelo menos uma vez por semana,
essa freira, que está há 15 anos no
Brasil, sobe os morros da zona
norte para ver como estão "as
suas famílias."
A nutricionista Joceleni Salgado, da Universidade de São Paulo,
diz que a situação das pessoas que
se alimentam basicamente de arroz e leite pode ser comparada a
de um automóvel abastecido apenas com óleo e água. "Isso não é
nutrição", completa.
Para alguns dos principais pesquisadores de pobreza no país,
como Ricardo Henriques, do Instituto de Pesquisa Econômica e
Aplicada, e Neri, da FGV, a indigência no Brasil não está ligada a
escassez de recursos.
"O Brasil não é um país pobre e
sim de pobres", classificou Neri
no seu "Mapa do Fim da Fome",
elaborado a partir de dados do IBGE. Ricardo Henriques, do Ipea,
reforça essa idéia no estudo "A
Estabilidade Inaceitável: Desigualdade e Pobreza no Brasil",
mostrando que 64% dos países do
mundo têm renda per capita inferior à brasileira e que 77% da população mundial vive nesses lugares. No entanto, essas nações têm
uma quantidade de indigentes
menor do que o Brasil.
O problema, concordam
Henriques e Neri, é a concentração de renda. Na maioria dos países do mundo, a diferença entre a
renda média dos 10% mais ricos
da população e dos 40% mais pobres é inferior a dez vezes. No Brasil, essa diferença chega a 28 vezes,
de acordo com o Banco Interamericano de Desenvolvimento.
Fim da indigência
Neri faz uma espécie de "simulação" da erradicação da pobreza
nas regiões metropolitanas do
país. O estudo é feito a partir da
transferência de renda das famílias que se encontram acima da linha de pobreza (quem ganha até
um salário mínimo) para aquelas
que são indigentes- recebem até
meio salário mínimo por mês e
não tem como comprar alimentos em quantidade suficiente.
O resultado é que, na região metropolitana de São Paulo, cada família de não-miseráveis teria de
pagar R$ 4,48 mensais para uma
espécie de fundo para que cada
indigente recebesse uma complementação mensal de R$ 40,79 e
pudesse comer bem.
Essa simulação não leva em
conta o custo da administração
desse fundo nem inclui despesas
com transporte, vestuário e lazer
desses miseráveis. Conta apenas o
dinheiro que cada um deveria pagar e receber. Além disso, dá a dimensão real da concentração de
renda na região mais rica do país.
Essa mesma simulação de
transferência de renda feita para
todo Estado indica que cada paulista acima da linha de pobreza
deveria pagar apenas R$ 3,75 para
erradicar a indigência, apesar de
São Paulo ser o Estado mais populoso do Brasil.
No Piauí, os não-miseráveis teriam de pagar R$ 25,90; os maranhenses, R$ 25,46.
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