São Paulo, domingo, 23 de setembro de 2001

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MISÉRIA

Desnutrida, a baiana Elilza dos Santos, há sete meses em Brasilândia, zona norte de SP, não tem leite para amamentar

Doações de vizinhos garantem refeições


DA REPORTAGEM LOCAL

"Aqui em casa não tem nada. Nesses dias, nem vergonha eu estou tendo: pedi comida para os vizinhos", relata, entre lágrimas, Elilza dos Santos, 23, mãe de três crianças, entre elas um bebê.
Ela e o marido, José Mota Gomes, 32, mudaram-se há sete meses de Guararema, Bahia, para o Jardim Paraná, um dos morros do distrito de Brasilândia, no extremo norte de São Paulo.
Vieram atendendo ao chamado de uma irmã dele, que garantiu trabalho e mais prosperidade. "Lá a gente tinha pouco, mas tinha tudo. Se o nosso gás [botijão" acabasse, não era um problema. Agora, fazemos fogo lá fora, e só quando temos comida", conta ele.
O filho Marcelo, de um ano, estava com catapora e febre alta quando a reportagem visitou a família, há cerca de 15 dias. Não havia dinheiro para comprar remédio ou leite. Elilza estava com dificuldades para amamentar, com os seios praticamente sem leite em razão da falta de comida.
"Estou aqui quebrando a cara", disse ela olhando para uma pilha de roupas sujas à espera de alguns centavos para comprar "ao menos uma barra de sabão". Naquele dia, Elilza recorreu aos vizinhos para pedir um ovo e fazer uma gemada para o bebê.
José, acreditando não ter conseguido trabalho porque estava com o cabelo um pouco longo, investiu os últimos trocados num barbeiro. "Não adiantou", disse ele, que sempre trabalhou em roça. "Sou de família boa, você pode se informar. Isso aqui é um inferno." Ele sonha com o dinheiro da passagem para voltar para casa.
Elilza tem saudades dos pais, mas não tem como comprar cartão telefônico. "Não vou fazer a vergonha de ligar a cobrar", diz.
Questionada sobre os maiores problemas das famílias do Jardim Paraná, a líder comunitária Vaneide Silva Santos, 26, não hesita: "Desemprego e falta de alimentos", enumera ela.
Essa é a realidade do "fundão" da cidade, dizem as lideranças, referindo-se aos bolsões de miséria dos bairros periféricos.
A comunidade do Jardim Paraná tem cerca de 2.000 famílias, mas só 800 são cadastradas no centro comunitário. Vanilda, que é da Pastoral da Criança, atende "quantas dá". O bairro ainda não tem lideranças para acompanhar todos os necessitados.
Muitas famílias recebem uma cesta básica mensal do governo do Estado, mas como elas têm muitos filhos, quase nenhuma renda e ainda dividem os mantimentos com vizinhos "mais pobres", as cestas não duram mais do que dez ou 15 dias.
Ainda assim, a situação de quem não recebe as cestas é muito pior. "Vários dias aqui em casa não tem feijão e açúcar. Comemos só arroz. É o bicho", relata Josefa Severina do Nascimento, 37, mãe de quatro filhos.
O marido, José Mendes, está desempregado há três anos e passa o dia "com algumas na cabeça", como ele mesmo define.
"São os amigos que pagam [bebida" pra mim", repete ele várias vezes, sem admitir que na sua casa falte comida, o que é muito comum entre os homens, mesmo os mais miseráveis. "Aqui não falta nada, é tudo mentira da mulher."
A família de José Mendes come os alimentos doados pela comunidade. Quando a reportagem da Folha chegou à casa da família havia arroz, feijão e frango.
"Isso tudo chegou ontem", disse Josefa com um sorriso, enquanto amamentava Fabiano, de dois meses. Ivair, 6, comia arroz e feijão. Mas, pouco depois de começar a refeição, ficou com sono, uma reação natural, dizem os especialistas, em pessoas que passaram alguns dias sem se alimentar.
Durante a semana, Josefa diz não se preocupar com a comida dos filhos porque eles estão na escola. No fim de semana, o garoto de dez anos "repara" carros no bairro da Casa Verde para ter o que comer. "Não gosto disso, fico preocupada", diz a mãe.
(GABRIELA ATHIAS)



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