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MISÉRIA
Desnutrida, a baiana Elilza dos Santos, há sete meses em Brasilândia, zona norte de SP, não tem leite para amamentar
Doações de vizinhos garantem refeições
DA REPORTAGEM LOCAL
"Aqui em casa não tem nada.
Nesses dias, nem vergonha eu estou tendo: pedi comida para os vizinhos", relata, entre lágrimas,
Elilza dos Santos, 23, mãe de três
crianças, entre elas um bebê.
Ela e o marido, José Mota Gomes, 32, mudaram-se há sete meses de Guararema, Bahia, para o
Jardim Paraná, um dos morros do
distrito de Brasilândia, no extremo norte de São Paulo.
Vieram atendendo ao chamado
de uma irmã dele, que garantiu
trabalho e mais prosperidade. "Lá
a gente tinha pouco, mas tinha tudo. Se o nosso gás [botijão" acabasse, não era um problema. Agora, fazemos fogo lá fora, e só
quando temos comida", conta ele.
O filho Marcelo, de um ano, estava com catapora e febre alta
quando a reportagem visitou a família, há cerca de 15 dias. Não havia dinheiro para comprar remédio ou leite. Elilza estava com dificuldades para amamentar, com
os seios praticamente sem leite
em razão da falta de comida.
"Estou aqui quebrando a cara",
disse ela olhando para uma pilha
de roupas sujas à espera de alguns
centavos para comprar "ao menos uma barra de sabão". Naquele dia, Elilza recorreu aos vizinhos
para pedir um ovo e fazer uma gemada para o bebê.
José, acreditando não ter conseguido trabalho porque estava
com o cabelo um pouco longo, investiu os últimos trocados num
barbeiro. "Não adiantou", disse
ele, que sempre trabalhou em roça. "Sou de família boa, você pode
se informar. Isso aqui é um inferno." Ele sonha com o dinheiro da
passagem para voltar para casa.
Elilza tem saudades dos pais,
mas não tem como comprar cartão telefônico. "Não vou fazer a
vergonha de ligar a cobrar", diz.
Questionada sobre os maiores
problemas das famílias do Jardim
Paraná, a líder comunitária Vaneide Silva Santos, 26, não hesita:
"Desemprego e falta de alimentos", enumera ela.
Essa é a realidade do "fundão"
da cidade, dizem as lideranças, referindo-se aos bolsões de miséria
dos bairros periféricos.
A comunidade do Jardim Paraná tem cerca de 2.000 famílias,
mas só 800 são cadastradas no
centro comunitário. Vanilda, que
é da Pastoral da Criança, atende
"quantas dá". O bairro ainda não
tem lideranças para acompanhar
todos os necessitados.
Muitas famílias recebem uma
cesta básica mensal do governo
do Estado, mas como elas têm
muitos filhos, quase nenhuma
renda e ainda dividem os mantimentos com vizinhos "mais pobres", as cestas não duram mais
do que dez ou 15 dias.
Ainda assim, a situação de
quem não recebe as cestas é muito
pior. "Vários dias aqui em casa
não tem feijão e açúcar. Comemos só arroz. É o bicho", relata Josefa Severina do Nascimento, 37,
mãe de quatro filhos.
O marido, José Mendes, está desempregado há três anos e passa o
dia "com algumas na cabeça", como ele mesmo define.
"São os amigos que pagam [bebida" pra mim", repete ele várias
vezes, sem admitir que na sua casa falte comida, o que é muito comum entre os homens, mesmo os
mais miseráveis. "Aqui não falta
nada, é tudo mentira da mulher."
A família de José Mendes come
os alimentos doados pela comunidade. Quando a reportagem da
Folha chegou à casa da família havia arroz, feijão e frango.
"Isso tudo chegou ontem", disse
Josefa com um sorriso, enquanto
amamentava Fabiano, de dois
meses. Ivair, 6, comia arroz e feijão. Mas, pouco depois de começar a refeição, ficou com sono,
uma reação natural, dizem os especialistas, em pessoas que passaram alguns dias sem se alimentar.
Durante a semana, Josefa diz
não se preocupar com a comida
dos filhos porque eles estão na escola. No fim de semana, o garoto
de dez anos "repara" carros no
bairro da Casa Verde para ter o
que comer. "Não gosto disso, fico
preocupada", diz a mãe.
(GABRIELA ATHIAS)
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