São Paulo, segunda-feira, 23 de outubro de 2000

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União inter-racial sofre preconceito

DA SUCURSAL DO RIO

Casados há seis anos, o publicitário negro Amauri Queiroz e a assessora de relações internacionais branca Fátima Melo dizem ter aprendido na prática uma lei do casamento inter-racial: é preciso mostrar à sociedade que o casamento "é sério".
"O que mais se vê é jogador de futebol ou pagodeiro negro com uma modelo loura. Parece que não tem uma aura de coisa muito séria, e a vizinhança reage. Temos que provar o tempo todo que não é uma relação fortuita nem interesseira", afirma Fátima.
Velado ou explícito, vindo de todo lado, o preconceito é enfrentado cotidianamente pela família.
Queiroz diz que muita gente ainda encara o casamento inter-racial como mera busca do prazer sexual. No movimento negro, por sua vez, ele é criticado por ter casado com uma mulher branca.
"É o efeito daquela história da mulata ou do negro sensual, uma idéia preconceituosa transmitida na colonização. Por outro lado, os companheiros me perguntam por que eu não casei com uma negra", diz o publicitário, integrante do Conselho Municipal de Defesa dos Direitos dos Negros e pesquisador da questão racial.
Fátima conta que, no prédio em que moram, na zona sul do Rio, é comum que o marido seja tratado de forma diferente.
"Tem gente que acha que ele é porteiro. Às vezes, os empregados do prédio se dirigem a mim como responsável pela casa, porque têm dificuldades para aceitá-lo", diz.
De seu primeiro casamento, Fátima tem uma filha branca, Janaína, 16. Do casamento com Queiroz, nasceu Bernardo, 4, negro, que aprende dentro de casa a conviver com a diferença racial.
Bernardo pergunta à mãe por que seus cabelos são encaracolados e os da irmã, louros. "Explico a diferença e estou tentando deixar que os cabelos dele cresçam, para que ele veja que os cachos são lindos", diz Fátima.
Outras perguntas de Bernardo são mais difíceis de responder: "Mãe, por que na escola só eu tenho a cor dos empregados? Por que nos livros não aparece ninguém da minha cor?"
Ele estuda em escola de classe média na zona sul que discute a questão racial, mas é essencialmente de crianças brancas.


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