São Paulo, quarta-feira, 23 de outubro de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

POLÍCIA FORA DA LEI

Operação em casa de traficante colombiano, em 99, envolve policiais militares que depois atuaram no Gradi

Ouvidoria quer investigação de ação da PM

GILMAR PENTEADO
DA REPORTAGEM LOCAL

A Ouvidoria das Polícias de São Paulo quer que o Tribunal de Justiça apure uma operação suspeita da Polícia Militar ocorrida em 1999, que envolveu policiais que depois atuaram no Gradi (Grupo de Repressão e Análise dos Delitos de Intolerância), setor de inteligência já investigado por suspeita de tortura, extorsão e uso de presos em ações criminosas.
A ação de invasão da casa do traficante Carlos Ávila Gonzalez, ligado ao cartel de Cali e ex-capitão do Exército colombiano, em Pirituba (zona leste de SP), em fevereiro de 1999, integra um segundo dossiê da Ouvidoria que será entregue ao corregedor-geral de Justiça, Luiz Elias Tâmbara.
O dossiê também relata o sumiço, no último dia 2, de duas submetralhadoras e um fuzil que estavam sob a guarda do Gradi. O caso foi publicado pela Folha na edição de ontem. A juíza-corregedora do Dipo (Departamento de Inquéritos Policiais), Ivana David Boriero, pediu abertura de investigação na Polícia Civil.
A invasão da casa do traficante colombiano e da mulher dele, Cláudia Patrícia Aguirre, ocorreu um ano antes da criação do Gradi, mas envolveu dois PMs que participariam ativamente das ações do grupo -o tenente Henguel Ricardo Pereira e o sargento Milton Manzolino Pinheiro, que na época integravam o regimento de polícia montada 9 de Julho da PM- e o juiz Maurício Lemos Porto Alves, na época corregedor do Dipo.
O juiz foi afastado do Dipo em agosto deste ano, por conceder autorizações de escutas telefônicas ao Gradi em 2001 e 2002. A maioria desses pedidos é assinado pelo próprio tenente Henguel, deste vez fazendo parte do Gradi.
O TJ investiga desde agosto deste ano o envolvimento de Porto Alves, do juiz Octávio Augusto Machado de Barros Filho, que autorizava as saídas de presos para infiltrações em quadrilhas, e do secretário estadual da Segurança Pública, Saulo de Castro Abreu Filho, nas ações do Gradi.
O TJ concentrou a apuração porque é o fórum para investigar juízes e secretários. O primeiro dossiê da Ouvidoria foi um documento que motivou a investigação do tribunal.
Segundo o novo dossiê da Ouvidoria, o caso de 1999 apresenta situações suspeitas. Entre elas, a guarda de US$ 276 mil apreendidos na casa do traficante colombiano. Apesar de apreendido em uma sexta-feira, o dinheiro teria ficado no quartel da PM no final de semana com autorização do juiz Maurício Lemos, corregedor do Dipo desde aquela época.
A quantia só foi entregue ao Denarc (Departamento Estadual de Investigações sobre Narcóticos) na terça-feira seguinte, quatro dias depois da apreensão. Em seu depoimento no inquérito policial, o tenente Henguel disse que recebeu determinação do juiz Maurício Lemos de ficar com o dinheiro no final de semana e de só entregá-lo na semana seguinte.
O tenente Henguel conta, no inquérito, que a PM monitorou a casa por 30 dias. Segundo ele, a informação inicial era que se tratava de uma quadrilha de roubo de carga, mas no final das investigações já se sabia que era um grupo de traficantes com membros colombianos. Mesmo assim, Henguel não chamou a Polícia Federal nem a Polícia Civil para participar da operação.
Um dia antes de entregar o material ao Denarc, a PM permitiu a entrada do proprietário na casa, que limpou o imóvel e inviabilizou o trabalho da perícia. Segundo o juiz aposentado Luiz Flávio Gomes, doutor em direito penal e presidente do IBCCrim (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais), os policiais infringiram dois artigos do Código de Processo Penal: não entregou o material logo depois da ocorrência e não permitiu a perícia do local. "A não-entrega do material, ainda mais envolvendo alta quantia em dinheiro, é muito irregular e por si só justifica uma investigação", disse o juiz.
Gonzalez conseguiu fugir ao cerco, apesar de um mês de monitoramento da PM. No depoimento ao Denarc, Henguel cita rapidamente a fuga dele. "Convém frisar ainda que, durante a realização as buscas, soube-se que o casal Carlos e Patrícia havia se aproximado da casa para ingressar quando, ao perceberem uma diligência policial, lograram evadir-se com um veículo, inclusive batendo na parede de uma casa e uma árvore", diz o texto.
A Polícia Federal só assumiu o caso em 2000. Ninguém foi denunciado e o inquérito tramita em segredo de Justiça.
Em vez de acionar a PF, o tenente Henguel procurou na época o então secretário nacional antidrogas, Walter Maierovitch, para contar que a quadrilha fazia parte de conexão de tráfico entre Brasil e Iugoslávia. "Não entendi quando ele me procurou, e não a PF. Fiz os contatos, mas nada foi confirmado", disse Maierovitch.


Texto Anterior: Reinauguração
Próximo Texto: Outro lado: Juiz e tenente da Polícia Militar não comentam caso
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.