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POLÍCIA FORA DA LEI
Operação em casa de traficante colombiano, em 99, envolve policiais militares que depois atuaram no Gradi
Ouvidoria quer investigação de ação da PM
GILMAR PENTEADO
DA REPORTAGEM LOCAL
A Ouvidoria das Polícias de São
Paulo quer que o Tribunal de Justiça apure uma operação suspeita
da Polícia Militar ocorrida em
1999, que envolveu policiais que
depois atuaram no Gradi (Grupo
de Repressão e Análise dos Delitos de Intolerância), setor de inteligência já investigado por suspeita de tortura, extorsão e uso de
presos em ações criminosas.
A ação de invasão da casa do
traficante Carlos Ávila Gonzalez,
ligado ao cartel de Cali e ex-capitão do Exército colombiano, em
Pirituba (zona leste de SP), em fevereiro de 1999, integra um segundo dossiê da Ouvidoria que
será entregue ao corregedor-geral
de Justiça, Luiz Elias Tâmbara.
O dossiê também relata o sumiço, no último dia 2, de duas submetralhadoras e um fuzil que estavam sob a guarda do Gradi. O
caso foi publicado pela Folha na
edição de ontem. A juíza-corregedora do Dipo (Departamento de
Inquéritos Policiais), Ivana David
Boriero, pediu abertura de investigação na Polícia Civil.
A invasão da casa do traficante
colombiano e da mulher dele,
Cláudia Patrícia Aguirre, ocorreu
um ano antes da criação do Gradi,
mas envolveu dois PMs que participariam ativamente das ações do
grupo -o tenente Henguel Ricardo Pereira e o sargento Milton
Manzolino Pinheiro, que na época integravam o regimento de polícia montada 9 de Julho da PM-
e o juiz Maurício Lemos Porto Alves, na época corregedor do Dipo.
O juiz foi afastado do Dipo em
agosto deste ano, por conceder
autorizações de escutas telefônicas ao Gradi em 2001 e 2002. A
maioria desses pedidos é assinado
pelo próprio tenente Henguel,
deste vez fazendo parte do Gradi.
O TJ investiga desde agosto deste ano o envolvimento de Porto
Alves, do juiz Octávio Augusto
Machado de Barros Filho, que autorizava as saídas de presos para
infiltrações em quadrilhas, e do
secretário estadual da Segurança
Pública, Saulo de Castro Abreu
Filho, nas ações do Gradi.
O TJ concentrou a apuração
porque é o fórum para investigar
juízes e secretários. O primeiro
dossiê da Ouvidoria foi um documento que motivou a investigação do tribunal.
Segundo o novo dossiê da Ouvidoria, o caso de 1999 apresenta situações suspeitas. Entre elas, a
guarda de US$ 276 mil apreendidos na casa do traficante colombiano. Apesar de apreendido em
uma sexta-feira, o dinheiro teria
ficado no quartel da PM no final
de semana com autorização do
juiz Maurício Lemos, corregedor
do Dipo desde aquela época.
A quantia só foi entregue ao Denarc (Departamento Estadual de
Investigações sobre Narcóticos)
na terça-feira seguinte, quatro
dias depois da apreensão. Em seu
depoimento no inquérito policial,
o tenente Henguel disse que recebeu determinação do juiz Maurício Lemos de ficar com o dinheiro
no final de semana e de só entregá-lo na semana seguinte.
O tenente Henguel conta, no inquérito, que a PM monitorou a
casa por 30 dias. Segundo ele, a informação inicial era que se tratava
de uma quadrilha de roubo de
carga, mas no final das investigações já se sabia que era um grupo
de traficantes com membros colombianos. Mesmo assim, Henguel não chamou a Polícia Federal
nem a Polícia Civil para participar
da operação.
Um dia antes de entregar o material ao Denarc, a PM permitiu a
entrada do proprietário na casa,
que limpou o imóvel e inviabilizou o trabalho da perícia. Segundo o juiz aposentado Luiz Flávio
Gomes, doutor em direito penal e
presidente do IBCCrim (Instituto
Brasileiro de Ciências Criminais),
os policiais infringiram dois artigos do Código de Processo Penal:
não entregou o material logo depois da ocorrência e não permitiu
a perícia do local. "A não-entrega
do material, ainda mais envolvendo alta quantia em dinheiro, é
muito irregular e por si só justifica
uma investigação", disse o juiz.
Gonzalez conseguiu fugir ao
cerco, apesar de um mês de monitoramento da PM. No depoimento ao Denarc, Henguel cita rapidamente a fuga dele. "Convém
frisar ainda que, durante a realização as buscas, soube-se que o casal Carlos e Patrícia havia se aproximado da casa para ingressar
quando, ao perceberem uma diligência policial, lograram evadir-se com um veículo, inclusive batendo na parede de uma casa e
uma árvore", diz o texto.
A Polícia Federal só assumiu o
caso em 2000. Ninguém foi denunciado e o inquérito tramita
em segredo de Justiça.
Em vez de acionar a PF, o tenente Henguel procurou na época o
então secretário nacional antidrogas, Walter Maierovitch, para
contar que a quadrilha fazia parte
de conexão de tráfico entre Brasil
e Iugoslávia. "Não entendi quando ele me procurou, e não a PF.
Fiz os contatos, mas nada foi confirmado", disse Maierovitch.
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