São Paulo, segunda-feira, 23 de outubro de 2006

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Casos "pitorescos" ajudam a lotar a pauta do Supremo

Ministros da mais alta corte da Justiça brasileira julgam conflitos individuais que vão de canelada na sogra a reclamação de miss

Para juízes e advogados, excesso de recursos previstos em lei e diversidade de temas na Constituição levam casos individuais ao STF

REGIANE SOARES
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Era uma terça-feira de abril de 2005. Os cinco ministros que formam a segunda turma do STF (Supremo Tribunal Federal), vestidos com suas togas, reuniram-se para mais uma sessão. Sentaram-se à mesa, uma espécie de bancada de madeira com formato de "U". Na parede do ambiente, um brasão da República e, ao lado, um mastro, que sustenta uma bandeira do Brasil.
Na pauta, estava um recurso em favor de um funcionário público acusado de atirar em um papagaio, de envenenar uma cadela prenha, de demarcar a rua como se fosse do departamento de trânsito e de depredar carros que não estavam estacionados de acordo com normas por ele estabelecidas.
O caso, considerado "pitoresco" pelos próprios ministros, é apenas mais um envolvendo conflitos individuais que chegam com freqüência à suprema corte brasileira. Ainda há processos como o da sogra que levou uma canelada do genro, o da comerciante que deu umas vassouradas no vizinho e o de um rapaz que foi preso por roubar uma bicicleta (veja quadro).
O STF não tem nenhum levantamento para mensurar os tipos de caso em discussão. Para o Supremo, seria como fazer juízo de valor. Mas as histórias "pitorescas" entram com freqüência na pauta de votação e estão entre os mais de 100 mil processos que os 11 ministros apreciam por ano, o que dá uma média anual de 9.000 para cada magistrado -que recebe R$ 24,5 mil por mês.
A quantidade de processos está em ascensão. Passou de 16.449, em 1990, para 103.700, em 2005. E a previsão para este ano é de 105 mil processos, segundo cálculos do próprio STF.

Legislação detalhista
Juízes e advogados ouvidos pela Folha acreditam que o excesso de recursos previstos em lei e a diversidade de temas previstos na Constituição a partir de 1988 são os principais motivos que levam casos individuais ao Supremo.
Na avaliação do ministro Ricardo Lewandowski, do STF, a Constituição brasileira é muito detalhista e prevê quase todo tipo de direito, como o trabalhista, o previdenciário, o cível e o penal. Como o STF só aprecia processos que envolvam a constitucionalidade, "então, tudo pode vir para o Supremo, porque tudo é constitucional".
Ele avalia que, embora muitos casos levados ao STF pareçam pitorescos, o que se deve discutir não é a "canelada" ou a "vassourada" no desafeto, mas que se dê direito à ampla defesa e ao contraditório.
"Muitas vezes, a matéria de fundo pode soar bizarra, pitoresca ou inusitada, mas a verdade é que a grande maioria das questões que sobem aqui são por razões que dizem respeito à falta de oportunidade de defesa e de contraditório."
O ministro, porém, acredita que os conflitos individuais deveriam ser decididos nas instâncias inferiores, para que juízes e desembargadores não sejam "meros tribunais de passagem". "Os tribunais superiores não foram feitos para dar as decisões no varejo ou atender a questões que dizem respeito às partes individuais, mas para decidir sobre as decisões paradigmáticas para a sociedade como um todo", explica.

Acesso à Justiça
O diretor da Faculdade de Direito da FGV-RJ (Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro), Joaquim Falcão, integrante do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), também defende que conflitos individuais sejam resolvidos em instâncias inferiores. "Os tribunais superiores têm de analisar casos de repercussão geral. Por isso são superiores. Quando o direito é usado para fins individuais, deixa de ter interesse público e passa a ser um abuso", avalia.
O advogado Jarbas Andrade Machioni, presidente da Comissão de Assuntos Institucionais da OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil), admite que alguns casos não deveriam chegar ao STF. Mas defende análise criteriosa e individual de cada processo para que o direito à Justiça não seja negado.
Machioni acredita que a legislação brasileira realmente prevê muitos recursos, o que permite o acesso aos tribunais superiores, mas a restrição pode manter uma decisão de primeira instância injusta. "Existem vários juízes que simplesmente passam por cima da lei e fazem justiça a seu jeito. Tem que se prestigiar a Justiça, e não a decisão dos juízes."


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