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Casos "pitorescos" ajudam a lotar a pauta do Supremo
Ministros da mais alta corte da Justiça brasileira julgam conflitos individuais que vão de canelada na sogra a reclamação de miss
Para juízes e advogados, excesso de recursos previstos em lei e diversidade de temas na Constituição levam casos individuais ao STF
REGIANE SOARES
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Era uma terça-feira de abril
de 2005. Os cinco ministros
que formam a segunda turma
do STF (Supremo Tribunal Federal), vestidos com suas togas,
reuniram-se para mais uma
sessão. Sentaram-se à mesa,
uma espécie de bancada de madeira com formato de "U". Na
parede do ambiente, um brasão
da República e, ao lado, um
mastro, que sustenta uma bandeira do Brasil.
Na pauta, estava um recurso
em favor de um funcionário público acusado de atirar em um
papagaio, de envenenar uma
cadela prenha, de demarcar a
rua como se fosse do departamento de trânsito e de depredar carros que não estavam estacionados de acordo com normas por ele estabelecidas.
O caso, considerado "pitoresco" pelos próprios ministros, é
apenas mais um envolvendo
conflitos individuais que chegam com freqüência à suprema
corte brasileira. Ainda há processos como o da sogra que levou uma canelada do genro, o
da comerciante que deu umas
vassouradas no vizinho e o de
um rapaz que foi preso por roubar uma bicicleta (veja quadro).
O STF não tem nenhum levantamento para mensurar os
tipos de caso em discussão. Para o Supremo, seria como fazer
juízo de valor. Mas as histórias
"pitorescas" entram com freqüência na pauta de votação e
estão entre os mais de 100 mil
processos que os 11 ministros
apreciam por ano, o que dá uma
média anual de 9.000 para cada
magistrado -que recebe
R$ 24,5 mil por mês.
A quantidade de processos
está em ascensão. Passou de
16.449, em 1990, para 103.700,
em 2005. E a previsão para este
ano é de 105 mil processos, segundo cálculos do próprio STF.
Legislação detalhista
Juízes e advogados ouvidos
pela Folha acreditam que o excesso de recursos previstos em
lei e a diversidade de temas
previstos na Constituição a
partir de 1988 são os principais
motivos que levam casos individuais ao Supremo.
Na avaliação do ministro Ricardo Lewandowski, do STF, a
Constituição brasileira é muito
detalhista e prevê quase todo
tipo de direito, como o trabalhista, o previdenciário, o cível
e o penal. Como o STF só aprecia processos que envolvam a
constitucionalidade, "então,
tudo pode vir para o Supremo,
porque tudo é constitucional".
Ele avalia que, embora muitos casos levados ao STF pareçam pitorescos, o que se deve
discutir não é a "canelada" ou a
"vassourada" no desafeto, mas
que se dê direito à ampla defesa
e ao contraditório.
"Muitas vezes, a matéria de
fundo pode soar bizarra, pitoresca ou inusitada, mas a verdade é que a grande maioria
das questões que sobem aqui
são por razões que dizem respeito à falta de oportunidade
de defesa e de contraditório."
O ministro, porém, acredita
que os conflitos individuais deveriam ser decididos nas instâncias inferiores, para que juízes e desembargadores não sejam "meros tribunais de passagem". "Os tribunais superiores
não foram feitos para dar as decisões no varejo ou atender a
questões que dizem respeito às
partes individuais, mas para
decidir sobre as decisões paradigmáticas para a sociedade como um todo", explica.
Acesso à Justiça
O diretor da Faculdade de Direito da FGV-RJ (Fundação
Getúlio Vargas do Rio de Janeiro), Joaquim Falcão, integrante
do CNJ (Conselho Nacional de
Justiça), também defende que
conflitos individuais sejam resolvidos em instâncias inferiores. "Os tribunais superiores
têm de analisar casos de repercussão geral. Por isso são superiores. Quando o direito é usado para fins individuais, deixa
de ter interesse público e passa
a ser um abuso", avalia.
O advogado Jarbas Andrade
Machioni, presidente da Comissão de Assuntos Institucionais da OAB-SP (Ordem dos
Advogados do Brasil), admite
que alguns casos não deveriam
chegar ao STF. Mas defende
análise criteriosa e individual
de cada processo para que o direito à Justiça não seja negado.
Machioni acredita que a legislação brasileira realmente
prevê muitos recursos, o que
permite o acesso aos tribunais
superiores, mas a restrição pode manter uma decisão de primeira instância injusta. "Existem vários juízes que simplesmente passam por cima da lei e
fazem justiça a seu jeito. Tem
que se prestigiar a Justiça, e
não a decisão dos juízes."
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