São Paulo, sábado, 23 de dezembro de 2000

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LETRAS JURÍDICAS Novo Direito no fim do milênio

WALTER CENEVIVA
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

N o rol das ficções, o calendário talvez seja a mais presente em nossa vida, ao marcar, com imperfeições, o passar do tempo.
Já que acreditamos na ficção, vale a pena pensar nas transformações que os anos mil assinalaram no direito público (o Estado faz parte das relações tratadas) e no direito privado (o interesse predominante é dos particulares), ao se desenvolver o "drama da raça humana", do qual fala Edward McNall Burns.
A contar das glosas consolidadas sob Justiniano no século 6º, a jurisprudência e as leis romanas, desenvolvidas a partir de uns 200 anos antes de Cristo, deram base ao direito do segundo milênio. Ressalvo que, na Idade Média (na qual a Igreja Católica dominou o poder espiritual e político), a liberdade do pensamento foi bloqueada pelo direito canônico.
Na universidade de Bolonha, começou, nos séculos 12 e 13, a volta aos textos romanos originais, despojados dos acréscimos dos glosadores. Os estudos então desenvolvidos foram estimulados, mais tarde, pela invenção da imprensa de tipos móveis, em 1440, por Guttenberg e pelas teses da Reforma, expostas por Martinho Lutero, a partir de 1517. Aos poucos foram postas em cheque as punições impostas pelos tribunais da Inquisição, com a tortura, as condenações à morte por ofensas à fé e as penas cruéis, entre os séculos 12 e 18.
A contar da segunda metade do século 15, quando monarcas absolutos sobrepujaram os senhores feudais, regras do direito público interno foram alteradas. Tratados e normas sobre direito marítimo e de comércio cresceram de importância, com o avanço "por mares nunca dantes navegados", como Camões cantou em "Os Lusíadas". O tratado de Tordesilhas, dividindo o Brasil em dois, entre Portugal e Espanha, é exemplo.
Por influência dos bárbaros germânicos (bárbaro era todo cidadão não-romano), a aceitação da lei, como vontade do soberano, foi substituída pelo reconhecimento do costume, aceito por todos.
Desenvolveu-se o conceito da propriedade. Criou-se seu registro, o qual repercute até hoje no Brasil. No sentido contrário, cabe anotar, na Alemanha, notáveis estudos, entre os quais o de Rudolph Von Ihering em "O Espírito do Direito Romano" (quatro volumes, na metade do século). A recepção romanista no direito alemão enfrentou resistência, que chegou até ao nacional-socialismo de Adolf Hitler.
A justiça criminal, na maior parte do milênio, foi aplicada pela igreja ou, com sua anuência, pela realeza, sem regras materiais ou processuais aceitas uniformemente, tendendo à crueldade.
Em matéria penal, só a partir do século 16 começou alguma sistematização reformista. A prisão por dívidas, a condenação à morte por dezenas de "crimes" mal definidos e as condições subumanas das prisões foram amenizados no século 18, sob vários impactos, inclusive o de Cesar Beccaria (1738-1793), no livro "Dos Delitos e das Penas", em 1764. Nesse mesmo século, a revolução do Iluminismo veio com a nova filosofia do direito (entre outras manifestações), precedida pela primeira revolução industrial. A consolidação do Estado Moderno, a democracia e a prevalência do povo passaram por alternativas que veremos no penúltimo dia do milênio. Faço votos que o próximo seja ainda melhor que este, no qual o ser humano deu o grande salto da transformação planetária de suas condições de vida.










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