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LETRAS JURÍDICAS
Novo Direito no fim do milênio
WALTER CENEVIVA
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS
N o rol das ficções, o calendário talvez seja a mais presente em nossa vida, ao marcar, com
imperfeições, o passar do tempo.
Já que acreditamos na ficção,
vale a pena pensar nas transformações que os anos mil assinalaram no direito público (o Estado
faz parte das relações tratadas) e
no direito privado (o interesse
predominante é dos particulares),
ao se desenvolver o "drama da raça humana", do qual fala Edward McNall Burns.
A contar das glosas consolidadas sob Justiniano no século 6º, a
jurisprudência e as leis romanas,
desenvolvidas a partir de uns 200
anos antes de Cristo, deram base
ao direito do segundo milênio.
Ressalvo que, na Idade Média (na
qual a Igreja Católica dominou o
poder espiritual e político), a liberdade do pensamento foi bloqueada pelo direito canônico.
Na universidade de Bolonha,
começou, nos séculos 12 e 13, a
volta aos textos romanos originais, despojados dos acréscimos
dos glosadores. Os estudos então
desenvolvidos foram estimulados,
mais tarde, pela invenção da imprensa de tipos móveis, em 1440,
por Guttenberg e pelas teses da
Reforma, expostas por Martinho
Lutero, a partir de 1517. Aos poucos foram postas em cheque as
punições impostas pelos tribunais
da Inquisição, com a tortura, as
condenações à morte por ofensas
à fé e as penas cruéis, entre os séculos 12 e 18.
A contar da segunda metade do
século 15, quando monarcas absolutos sobrepujaram os senhores
feudais, regras do direito público
interno foram alteradas. Tratados e normas sobre direito marítimo e de comércio cresceram de
importância, com o avanço "por
mares nunca dantes navegados",
como Camões cantou em "Os Lusíadas". O tratado de Tordesilhas,
dividindo o Brasil em dois, entre
Portugal e Espanha, é exemplo.
Por influência dos bárbaros germânicos (bárbaro era todo cidadão não-romano), a aceitação da
lei, como vontade do soberano, foi
substituída pelo reconhecimento
do costume, aceito por todos.
Desenvolveu-se o conceito da
propriedade. Criou-se seu registro, o qual repercute até hoje no
Brasil. No sentido contrário, cabe
anotar, na Alemanha, notáveis
estudos, entre os quais o de Rudolph Von Ihering em "O Espírito
do Direito Romano" (quatro volumes, na metade do século). A
recepção romanista no direito
alemão enfrentou resistência, que
chegou até ao nacional-socialismo de Adolf Hitler.
A justiça criminal, na maior
parte do milênio, foi aplicada pela igreja ou, com sua anuência,
pela realeza, sem regras materiais
ou processuais aceitas uniformemente, tendendo à crueldade.
Em matéria penal, só a partir
do século 16 começou alguma sistematização reformista. A prisão
por dívidas, a condenação à morte por dezenas de "crimes" mal
definidos e as condições subumanas das prisões foram amenizados no século 18, sob vários impactos, inclusive o de Cesar Beccaria (1738-1793), no livro "Dos
Delitos e das Penas", em 1764.
Nesse mesmo século, a revolução
do Iluminismo veio com a nova
filosofia do direito (entre outras
manifestações), precedida pela
primeira revolução industrial. A
consolidação do Estado Moderno,
a democracia e a prevalência do
povo passaram por alternativas
que veremos no penúltimo dia do
milênio. Faço votos que o próximo seja ainda melhor que este, no
qual o ser humano deu o grande
salto da transformação planetária de suas condições de vida.
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