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São Paulo, sexta-feira, 24 de janeiro de 2003

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ADMINISTRAÇÃO

No Campo Belo, edifício de nove andares é erguido sem ter projeto e construção aprovados pela prefeitura

Omissão faz surgir novo prédio fantasma

SÍLVIA CORRÊA
DA REPORTAGEM LOCAL

Má-fé pública e privada. Fraude. Omissão da prefeitura. Descontrole da máquina municipal e muita burocracia. Eis os ingredientes com os quais acaba de ser erguido mais um prédio irregular na cidade de São Paulo.
São nove pavimentos encravados em um dos mais caros bairros da cidade -o Campo Belo, na zona sul. Formam uma torre de mais de 25 metros de altura cujo projeto nunca foi aprovado por ninguém e a construção nunca foi autorizada pelo poder municipal.
Apesar da clandestinidade, a torre foi erguida em menos de cinco meses ao lado de um movimentado posto de gasolina em plena Vieira de Moraes -rua que liga a Vereador José Diniz à Washington Luís. Como isso foi possível e o que aconteceu com os fiscais da prefeitura nesse período, ninguém sabe, ninguém viu.
O prédio fica na área da Subprefeitura de Santo Amaro, cujo titular foi trocado na primeira semana deste mês. Os que chegam acusam os que foram. Os que foram afirmam que os fiscais respondem a "interesses obscuros".
Enquanto o prédio subia impunemente, o processo pedindo autorização para que a obra pudesse ser iniciada ficou quatro meses retido na burocracia da Secretaria Municipal da Habitação (Sehab).
Primeiro, a prefeitura levou mais de um mês para dizer que a obra não podia começar porque o prédio seria maior do que a lei autoriza. A demora permitiu que a obra fosse iniciada sob a controversa retaguarda de um decreto da gestão de Paulo Maluf (93-96), que libera o munícipe para começar a construção caso o poder público não se manifeste em 30 dias.

Fraude e conivência
A Sehab já era a segunda tentativa dos proprietários de legalizar o edifício. Na primeira, cinco meses antes, eles haviam entrado com um outro processo na Subprefeitura de Santo Amaro.
Na ocasião, porém, pediam uma anistia para o prédio -supostamente construído com irregularidades- com base em uma lei de 1994. Era uma fraude: eles tentavam legalizar uma construção que ainda não existia.
Isso foi em março de 2002, mesmo mês em que veio à tona o sumiço de milhares de processos das subprefeituras -foram 43.152 sumiços (15,46% de tudo o que deveria estar tramitando).
As investigações foram conduzidas pelo delegado Luiz Antônio Rebello, da Ouvidoria Geral do Município. Na ocasião, Rebello descobriu que os processos sumiam exatamente para ocultar a concessão irregular de benefícios, como alvarás e regularizações.
O do pedido de anistia do prédio -que foi localizado escondido na Subprefeitura de Santo Amaro- foi um dos casos que ilustraram a investigação.
A apuração concluiu que ele estava escondido exatamente porque tentava anistiar um "prédio-fantasma", como mostra uma foto tirada em 10 de maio.
Cópias do relatório do delegado -narrando inclusive o caso do prédio virtual- foram encaminhadas à prefeita e à Secretaria das Subprefeituras. Marta Suplicy (PT) chegou a anunciar um pacote de combate à corrupção que incluía a vistoria de todas as obras cujos processos tivessem sido desviados. A vistoria impediria a continuidade da obra, mas, no caso do prédio, nunca aconteceu.

Burocracia e omissão
Com o fracasso da fraude, em 15 de agosto os proprietários entraram na Sehab com o pedido de autorização para fazer um prédio novo. A negativa saiu em 24 de setembro, mais de um mês depois.
Em 25 de outubro os proprietários recorreram -um dia depois do prazo legal. Em 23 de dezembro, a Sehab disse o óbvio: o recurso estava fora de prazo. A decisão foi publicada no último dia 8.
O prédio é mais uma das 900 mil edificações irregulares que existem em São Paulo segundo estimativas do próprio governo. Muitas podem ter nascido assim.
A secretaria da Habitação admite a necessidade de acelerar seus procedimentos, mas informa que 45% dos processos ainda são decididos em mais de 180 dias.
"É a indústria do protocolo", diz a arquiteta e urbanista Regina Monteiro, presidente da ONG Defenda São Paulo. "Somem com o processo, e a obra começa."
Durante todos esses meses a Sehab e a subprefeitura nunca se falaram. Só anteontem à tarde, depois de a Folha ir à subprefeitura, o prédio foi multado em R$ 98,46 mil. Ontem, foi embargado. Tudo indica que a construção é maior do que poderia, mas o advogado dos proprietários disse desconhecer esse e os outros problemas.
O embargo manterá um esqueleto de concreto no meio do Campo Belo. A destruição do prédio, se necessária, depende da Justiça.


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