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ADMINISTRAÇÃO
No Campo Belo, edifício de nove andares é erguido sem ter projeto e construção aprovados pela prefeitura
Omissão faz surgir novo prédio fantasma
SÍLVIA CORRÊA
DA REPORTAGEM LOCAL
Má-fé pública e privada. Fraude.
Omissão da prefeitura. Descontrole da máquina municipal e
muita burocracia. Eis os ingredientes com os quais acaba de ser
erguido mais um prédio irregular
na cidade de São Paulo.
São nove pavimentos encravados em um dos mais caros bairros
da cidade -o Campo Belo, na zona sul. Formam uma torre de
mais de 25 metros de altura cujo
projeto nunca foi aprovado por
ninguém e a construção nunca foi
autorizada pelo poder municipal.
Apesar da clandestinidade, a
torre foi erguida em menos de
cinco meses ao lado de um movimentado posto de gasolina em
plena Vieira de Moraes -rua que
liga a Vereador José Diniz à Washington Luís. Como isso foi possível e o que aconteceu com os fiscais da prefeitura nesse período,
ninguém sabe, ninguém viu.
O prédio fica na área da Subprefeitura de Santo Amaro, cujo titular foi trocado na primeira semana deste mês. Os que chegam acusam os que foram. Os que foram
afirmam que os fiscais respondem a "interesses obscuros".
Enquanto o prédio subia impunemente, o processo pedindo autorização para que a obra pudesse
ser iniciada ficou quatro meses retido na burocracia da Secretaria
Municipal da Habitação (Sehab).
Primeiro, a prefeitura levou
mais de um mês para dizer que a
obra não podia começar porque o
prédio seria maior do que a lei autoriza. A demora permitiu que a
obra fosse iniciada sob a controversa retaguarda de um decreto
da gestão de Paulo Maluf (93-96),
que libera o munícipe para começar a construção caso o poder público não se manifeste em 30 dias.
Fraude e conivência
A Sehab já era a segunda tentativa dos proprietários de legalizar o
edifício. Na primeira, cinco meses
antes, eles haviam entrado com
um outro processo na Subprefeitura de Santo Amaro.
Na ocasião, porém, pediam
uma anistia para o prédio -supostamente construído com irregularidades- com base em uma
lei de 1994. Era uma fraude: eles
tentavam legalizar uma construção que ainda não existia.
Isso foi em março de 2002, mesmo mês em que veio à tona o sumiço de milhares de processos
das subprefeituras -foram
43.152 sumiços (15,46% de tudo o
que deveria estar tramitando).
As investigações foram conduzidas pelo delegado Luiz Antônio
Rebello, da Ouvidoria Geral do
Município. Na ocasião, Rebello
descobriu que os processos sumiam exatamente para ocultar a
concessão irregular de benefícios,
como alvarás e regularizações.
O do pedido de anistia do prédio -que foi localizado escondido na Subprefeitura de Santo
Amaro- foi um dos casos que
ilustraram a investigação.
A apuração concluiu que ele estava escondido exatamente porque tentava anistiar um "prédio-fantasma", como mostra uma foto tirada em 10 de maio.
Cópias do relatório do delegado
-narrando inclusive o caso do
prédio virtual- foram encaminhadas à prefeita e à Secretaria
das Subprefeituras. Marta Suplicy
(PT) chegou a anunciar um pacote de combate à corrupção que incluía a vistoria de todas as obras
cujos processos tivessem sido
desviados. A vistoria impediria a
continuidade da obra, mas, no caso do prédio, nunca aconteceu.
Burocracia e omissão
Com o fracasso da fraude, em 15
de agosto os proprietários entraram na Sehab com o pedido de
autorização para fazer um prédio
novo. A negativa saiu em 24 de setembro, mais de um mês depois.
Em 25 de outubro os proprietários recorreram -um dia depois
do prazo legal. Em 23 de dezembro, a Sehab disse o óbvio: o recurso estava fora de prazo. A decisão foi publicada no último dia 8.
O prédio é mais uma das 900 mil
edificações irregulares que existem em São Paulo segundo estimativas do próprio governo.
Muitas podem ter nascido assim.
A secretaria da Habitação admite a necessidade de acelerar seus
procedimentos, mas informa que
45% dos processos ainda são decididos em mais de 180 dias.
"É a indústria do protocolo", diz
a arquiteta e urbanista Regina
Monteiro, presidente da ONG Defenda São Paulo. "Somem com o
processo, e a obra começa."
Durante todos esses meses a Sehab e a subprefeitura nunca se falaram. Só anteontem à tarde, depois de a Folha ir à subprefeitura,
o prédio foi multado em R$ 98,46
mil. Ontem, foi embargado. Tudo
indica que a construção é maior
do que poderia, mas o advogado
dos proprietários disse desconhecer esse e os outros problemas.
O embargo manterá um esqueleto de concreto no meio do Campo Belo. A destruição do prédio,
se necessária, depende da Justiça.
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