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O PODER DO CRIME
"O grupo nasceu por volta de 1993, cresceu e precisa ser desmontado", diz secretário da Administração Penitenciária
"Nunca ignorei" o PCC, afirma Furukawa
ROGÉRIO PAGNAN
DA FOLHA RIBEIRÃO
O secretário de Estado da Administração Penitenciária, Nagashi Furukawa, afirmou ontem, em
entrevista à Folha, que a morte de
19 detentos na megarrebelião do
último domingo foi "insignificante" se comparada à ação da Polícia
Militar que deixou 111 presos
mortos no Carandiru, em 1992.
Furukawa disse, ainda, que sabia da existência do PCC antes de
assumir a secretaria, em novembro de 99.
Leia, abaixo, trechos da entrevista concedida, ontem, antes de o
secretário se reunir com representantes do sindicato dos agentes penitenciários, que ameaçavam entrar em greve.
Folha - Quando o senhor assumiu
a secretaria, imaginava encontrar
tantos problemas?
Nagashi Furukawa - Falei no
meu discurso de posse: "Assumo
com plena consciência do desafio
dramático que teremos pela frente". Então, eu tinha plena consciência de que eu não vim aqui
para um passeio.
Folha - Depois de tantos problemas, da megarrebelião, já pensou
alguma vez em deixar o cargo?
Furukawa - Não... Não...
Folha - Nem a pedido da família?
Furukawa - Não. Eles não me pediram isso.
Folha - Entre (Mário) Covas e (Geraldo) Alckmin existe diferença?
Porque parece que Alckmin está interferindo mais na secretaria.
Furukawa - Não... Não... Não...
Os dois sempre tiveram a maior
preocupação. É claro que o contato do Alckmin, agora, está sendo
mais constante do que antes porque ocorreram maiores problemas e é algo natural.
Folha - Os agentes penitenciários
afirmam que, quando entram em
uma unidade, eles são revistados.
Os advogados não são, e suspeita-se que eles possam estar levando
coisas para dentro das unidades, já
que nem todas possuem detector
de metais. Alguma medida está
sendo tomada?
Furukawa - A revista dos advogados a lei não permite.
Folha - Mas o senhor acredita que
isso possa estar ocorrendo?
Furukawa - Não vou dizer isso.
Não sei. Agora, detector de metal
vai ter em todas as penitenciárias.
Folha - Hoje há condições de a secretaria assumir as cadeias públicas, ou esse plano foi suspensa
após a megarrebelião ?
Furukawa - Não, está acontecendo. Tanto que ontem o governador (interino) Geraldo Alckmin
assinou um decreto transferindo
a cadeia de Sorocaba para a nossa
secretaria.
Folha - Em Ribeirão Preto, o projeto de transformar a cadeia de Vila
Branca, já administrada pela secretaria, em presídio feminino em janeiro ainda não saiu do papel.
Furukawa - Não aconteceu porque ainda não conseguimos fazer
a reforma devido às dificuldades
no processo de licitação, mas vai
acontecer.
Folha - Em Ribeirão Preto, Araraquara e Hortolândia, foram identificados cerca de 20 líderes do PCC;
o Gulu, que ameaça uma rebelião
três vezes pior que a de domingo
passado, está em Ribeirão Preto.
Há condições para a transferência
desse pessoal?
Furukawa - Eu não sei a situação
individual de cada preso. Isso o
diretor vai examinar. Se houver
necessidade de transferência, vai
transferir. Se não houver, não vai
transferir. O diretor é quem vai
analisar a situação.
Folha - O ex-diretor de Araraquara Leandro Pereira, vítima do resgate em janeiro, quando libertou
cinco detentos, pode ser demitido?
A determinação da secretaria é não
libertar ninguém, morra quem
morrer?
Furukawa - Isso (a determinação
é essa). Foi aberta uma sindicância. O caso está sendo apurado.
Provavelmente isso vai se transformar em um processo administrativo com direito de defesa. Ao
final do processo, a comissão processante vai sugerir alguma medida, e eu vou analisar.
Folha - Quem define se ele vai ou
não ser demitido?
Furukawa - A comissão processante propõe uma medida. Absolvição ou penalidade -advertência, suspensão ou a demissão. Se
for proposta a demissão, a competência não será minha, será do
governador do Estado. Se for proposto outro tipo de medida, aí a
decisão será minha.
Folha - Depois das 19 mortes, que
é um número muito alto...
Furukawa - Sim, é alto, mas
comparado com outros episódios, é insignificante até. Porque,
em 1992, uma rebelião só no pavilhão 9, só aqui (mostrando a foto
do complexo afixada sob o vidro
de sua mesa) morreram 111. E
com uma nota ainda: dos 111, não
me consta que alguém, algum
preso tenha matado. Foi uma
atuação policial inadequada.
Agora, uma rebelião nesse local
inteiro (mostrando a foto novamente) e em mais 24... 28 unidades no Estado morreram 19 pessoas. Mas dessas 19, seguramente
13 foram mortas por presos.
Folha - O senhor é a favor da pena
de morte?
Furukawa - Não sou.
Folha - Falando em morte, o senhor não tem medo de morrer?
Furukawa - (Muda o tom, imposta a voz) A morte é a certeza
inexorável da vida. Um dia vai
chegar. Espero que chegue mais
tarde (ri).
Folha - É verdade que são cerca
de sete seguranças com o senhor e
mais cinco em sua casa, onde haveria até guarita?
Furukawa - Não tem guarita nenhuma lá (ri). O que foi falado,
ontem, é que talvez seja bom colocar uma segurança na minha casa
em Bragança (Paulista), daqui para frente. Mas sou secretário há
um ano e meio e nunca teve nenhum segurança na porta da minha casa.
Folha - Aqui em São Paulo está
tendo?
Furukawa - Aqui existe uma assistência militar. Não fui eu quem
pediu. Já existia na secretaria, que
tem essa incumbência de me
transportar, de se preocupar com
minha segurança.
Folha - O senhor disse (durante a
coletiva) que o que mais o magoou
foi a reportagem dizendo que o senhor fez um acordo com o PCC, de
mencionarem uma carta com cinco
páginas...(interrompe)
Furukawa - A carta veio. A carta
está aí. Na carta, eles pedem algumas coisas do tipo dedetizar a Casa de Detenção, encaminhar mais
rapidamente o material de limpeza. Isso tudo eu mandei para o órgão competente aqui da nossa secretaria para que verifique se falta
material de limpeza. Se estiver faltando é para atender. Isso é normal. Em todas as penitenciárias
eu falo com presos. Então, eu falo
com criminosos. Porque se não
fossem criminosos não estariam
lá. Agora, não tem o menor sentido imaginar -que é um bruta de
um pecado- o secretário da Administração Penitenciária não poder falar com preso. O que faz o
secretário? O secretário administra uma situação de centenas, milhares de presos.
Folha - Essa acessibilidade, essa
maneira mais liberal teria gerado a
acusação?
Furukawa - Não é mais liberal,
essa é uma postura necessária. O
secretário tem que falar com preso. Agora ele vai chegar numa penitenciária, sentar num ar-condicionado da sala do diretor e dar
por encerrada a visita? Não tem o
menor sentido uma coisa dessas.
Eu tenho que ouvir os presos, até
para saber qual é o clima existente, se está tudo em ordem. Agora,
se fazem reivindicações- "olha,
está faltando material de limpeza"- e eu mando atender, quer
dizer que eu fiz um acordo com o
crime? O que que significa uma
coisas dessas?
Folha - Quando o senhor ficou sabendo que existia o PCC?
Furukawa - Lá em 1982, havia
uma organização que se chamava
Serpentes Negras. E esse zunzunzum aí, de que existe: o PCC, seitas satânicas, CDL, não sei quem
mais, antes de eu vir aqui para a
secretaria eu já sabia. Obviamente
eu não conhecia isso de perto, só
via as notícias nos jornais. Mas
nunca duvidei disso, não. Em todo lugar, a formação desse grupos
é algo que acontece. É anormal se
não acontecer. Até em seminários
de padres deve ter liderança.
Folha - Quando o senhor ficou sabendo definitivamente da existência do PCC?
Furukawa - Eu sou juiz há vinte
anos. Durante sete anos eu fui juiz
da Vara da Infância e da Juventude. Por 13 anos fui juiz criminal e
juiz de execução penal, embora eu
não tivesse sido juiz onde tivesse
penitenciária, eu fui juiz onde tinha cadeia pública. Mas o fato da
existência desses grupos atuando
nas cadeias e nas penitenciárias é
algo que eu nunca ignorei.
Folha - E o PCC, foi depois de assumir?
Furukawa - Não, o PCC era muito comentado, muito antes de eu
ser secretário. Tanto que o secretário que me antecedeu também
removeu vários presos para o Estado do Paraná.
Folha - O que representa hoje o
PCC para a secretaria?
Furukawa - O PCC é um grupo
que nasceu aí por volta de 1993,
que cresceu e que precisa ser desmontado.
Folha - Tem alguma tática sem
ser as transferências?
Furukawa - Tem e eu não vou
contar para você (ri).
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