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Sapopemba, periferia, Racionais Mc's e eu
MARILENE FELINTO
da Equipe de Articulistas
Prefácio: aos Esaús que se
ofenderam e viram anti-semitismo -em que eles não
vêem?- na minha coluna sobre o filme "Amistad" (17/02),
sugiro que me processem por
racismo. Que encontrem no
meu texto provas das acusações infundadas. Hipócritas.
Anti-semitismo? Minoria autoritária. Racistas são eles, intolerantes são eles. Merecem
ser relegados ao monólogo estéril que criaram para si próprios, e no qual ninguém entra. Que falem sozinhos.
Eu é que devia processar todos por calúnia, difamação e
hipocrisia. Sim, porque nem
negra eu sou. Pena que não
sou negra (muito menos branca) para justificar as teorias
pseudofreudianas, as pseudo-ideologias e filosofias que
se apressaram a aplicar a mim.
Hipócritas. Um exército de
paranóicos tiranos, onipotentes. A mim não me classificam!
A mim não me enquadram. A
mim? A mim não me domesticam! Esses colunistas enfadonhos, doutores do nada, psicólogos de ninguém, filósofos da
inutilidade. É preciso mostrar
a eles com quantas vidas reais
se constrói uma "integridade".
Hipócritas. São os acadêmicos oportunistas, os carreiristas do para-lugar-nenhum-contanto-que-eu-apareça-na-imprensa, os puxa-sacos de sempre, que ganharam um dia de
fama à minha custa -já que
ninguém lê os alfarrábios inúteis que eles escrevem para
seus pares.
Quanto a mim, sempre me
surpreende como é lida essa
minha colunazinha de quinta
categoria, no espaço amesquinhado desse caderno sem
qualquer nobreza, num dia
inexpressivo da semana.
Vai ver, é porque eu falo do
lugar privilegiado da utopia
brasileira realizada: o lugar do
mulato, do samba da crioula
doida, do brasileiro brasileiríssimo sem religião (ou com todas), sem raça (ou com várias),
que eles não são, nunca foram,
nunca serão. Eu é que sou. Eu e
eu e eu. Que eles custam a engolir, a não ser em dias de exceção, de futebol e Carnaval.
Academia hipócrita. Imprensa hipócrita. Classezinha brasileira podre de cínica.
Sapopemba. Vida real. Outro
dia me perdi em Sapopemba,
bem no meio, bem no colo,
bem na boca do monstro, do
polvo sempre à espreita, que
abraça com seus multimembros a cidade de São Paulo: a
perigosa periferia, a fantasmagórica, a ogra periferia.
Um dia, quem sabe, o polvo
se irrita, se rebela, ruge e esmaga com seu abraço a cidade
que ele cerca poderoso. Pensei
nisso perdida em Sapopemba,
pensei na gosma que escorreria, no sangue desse abraço revoltoso, uma máquina de moer
carnes e mais carnes.
Sapopemba o bairro, Sapopemba a avenida com seus
11.667 mil números -Sapopemba é uma serpente urbana,
uma cobra sucuri esperando
longa e longamente para dar o
bote na cidade de muitos centros, de muitos sabores, na cidade que ela vai abocanhar
um dia, enrolar-se todinha nela, triturar-lhe osso por osso
até o último farelo.
Como desperdicei espaço, esta coluna sobre a periferia-polvo continua na próxima. Alah
Salamaleikum!
E-mailmfelinto@uol.com.br
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