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MARILENE FELINTO
Violadores do Senado são como estupradores
Eles agem na tocaia, são os
mais covardes entre os covardes -voto secreto é uma covardia tipicamente masculina-,
praticam o constrangimento da
vítima sem nenhuma vergonha,
com violência ou por meio de
ameaça grave. Eles entram em
qualquer sistema (ou em qualquer buraco) e saem como se nada tivesse acontecido, entram e
saem sem permissão, forçando o
rompimento, o coito, porque só
lhes interessa a infração, precisam possuir e dominar tudo, de
regras a himens, de leis a vaginas,
de sigilos a ânus. Só isso lhes dá
prazer e poder.
São esses os homens, os piores
homens: à violação do painel de
votação do Senado, tendo no centro da fraude uma mulher hierarquicamente submissa a dois homens, aplica-se a analogia de um
estupro. É simples assim. O depoimento da ex-diretora do Prodasen Regina Borges ao Conselho de
Ética do Senado foi o discurso senão de uma vítima (ela participou da fraude sem que ninguém
lhe tenha botado "uma faca no
pescoço", como afirmou), de uma
mulher constrangida pelo poder
de dois homens -segundo ela, os
senadores Antonio Carlos Magalhães (PFL) e José Roberto Arruda
(PSDB). E também segundo o
próprio Arruda confessou ontem.
Sabatinada por uma maioria
de homens no Conselho de Ética,
Regina Borges parecia uma mulher estuprada sendo ouvida numa delegacia cheia de homens: a
desconfiança geral de que ela "tivesse gostado daquilo" estampava-se na cara de seus interrogadores. Saiu-se bem, reconheceu
sua participação no crime, deixou
claro que a "faca" estava ali representada por outra coisa.
A faca é a falta de respeito, a ausência de ética, a ganância desmedida pelo poder, a mentira -o
senador José Roberto Arruda, antes mesmo do depoimento de Regina, foi ao plenário tentar se defender. Terminou dizendo que
"matou a pau" a acusação -com
arrogância típica do papel hegemônico do macho-, achando
que tinha convencido a opinião
pública de que é inocente. No dia
seguinte, foi obrigado a renunciar
ao cargo de líder do governo no
Senado e ontem não achou outra
saída senão confessar.
A faca é o pau. Todo homem
tem um quê de estuprador, ainda
que seja simbolicamente, na esfera da fantasia sexual. A capacidade de entrar e sair como se nada tivesse acontecido é exclusividade masculina, característica
anatômica reforçada pelo papel
social que se atribui ao homem: o
de dominador, aquele para quem
a maioria das mulheres não é
concebida como individualidades
distintas, privadas, mas como
uma coisa só, uma única possibilidade: a de invasão e dominação.
Assim também ele encararia os
sistemas, as regras.
Daí estar associado ao homem
o sexo desvinculado da relação
afetiva -o entrar e sair como se
nada tivesse acontecido. Diz-se
que isso se deve à dificuldade que
ele tem de lidar com emoções como perda, ciúme, inveja, que implicam sofrimento. Uma balela
cultural para justificar a dominação masculina, a organização social da patriarquia e suas instituições, a natureza competitiva e exploradora do capitalismo.
Violadores são como estupradores, com a diferença de que os últimos, principalmente quando
são gente comum e pobre, sem direito a dignidade ou defesa, são
caçados e assassinados nas cadeias pelos outros presos ou viram
suas bichas. Quanto aos primeiros, nada garante (nem mesmo a
confissão) a cassação de seus
mandatos por abuso, por vergonha nacional. É mais provável
que continuem a violar a sociedade sem que nada lhes aconteça.
E-mail: mfelinto@uol.com.br
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