São Paulo, domingo, 24 de abril de 2005

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DANUZA LEÃO

No Vaticano

Da agonia do papa João Paulo 2º à eleição de Bento 16, quase tudo já foi dito. Mas o que eu queria saber mesmo é se, durante o conclave, os cardeais -que, afinal, são seres humanos- só pensam no que devem, isto é, em quem tem as melhores condições para ser o futuro papa, ou também em coisas mais pueris.
Ninguém governa seus pensamentos, e alguns desses cardeais, pela idade, devem ter algum problema de saúde, por pequeno que seja: uma dor na coluna, um calo no dedinho do pé, um dente incomodando. Será que nesse momento tão sério um deles pensa "ah, tomara que isso acabe logo para eu poder tirar meu sapato", por exemplo? Ou "estou morrendo de fome, e Deus queira que o jantar de hoje seja melhor do que o de ontem, que estava um horror". E continuando -com todo o respeito, é claro-, se der vontade de fazer pipi, pode se levantar e ir? E como saber onde é o banheiro? Será que algum deles, em pleno conclave, só pensa no que tem que pensar ou às vezes se distrai e lembra de alguma coisa que aconteceu durante a viagem, de alguma pendência que ficou em seu país natal, num amigo doente, que esqueceu da tesourinha, bobagens assim?
Eu também queria saber se, apesar da Igreja Católica pregar a modéstia e a humildade, não passa pela cabeça de nenhum deles -e olha que eles são muitos- aquela ambição tão humana -e eles são humanos- de, durante o conclave, desejar ardentemente ser eleito o novo papa. Afinal, ser o eleito é uma vitória, e não há quem não fique feliz em ser o vitorioso.
E depois da eleição concluída, quais são os pensamentos do novo papa? Ele só pensa nas coisas divinas ou lembra do pai e da mãe, que com certeza já morreram e que gostariam tanto de vê-lo na posição de chefe da Igreja Católica? Pensa na sua infância e nos pecados que cometeu, mesmo em pensamento, antes de entrar para o seminário? Passa a se achar muito importante ou é humilde como deve ser um papa? E se a batina estiver curta, quem vai dizer a ele e quem vai providenciar para abaixar a bainha?
A coisa mais difícil é traduzir o que o papa quer dizer, já que eles nunca são claros. O nome que o novo papa escolheu já despertou grande curiosidade: estaria ele querendo dizer que seguiria os passos do papa Bento 15, ou os de são Bento? Ele não diz, e toda a humanidade católica especula sobre suas verdadeiras intenções. E será que ele desce do seu trono -figurativamente- para dizer que não gosta de carne de porco, que seu prato preferido é ravioli de pato, que quer mais dois travesseiros na cama e que de manhã gosta de café com uns biscoitinhos?
Mas todas essas são curiosidades bobas diante da grande curiosidade, a maior de todas, a que faz com que existam os homens que têm fé e os que não têm.
Será que quando um papa está doente, já no seu leito de morte, tem certeza absoluta de que quando morrer irá para o céu e lá encontrará os anjos, as santas, os santos e Deus, ou fica com um certo medo de que a morte seja o fim e que depois dela não exista mais nada?
Isso a gente não sabe, e não vai saber nunca.


E-mail - danuza.leao@uol.com.br


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