São Paulo, sábado, 24 de maio de 2008

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TJ considera que portar drogas não é crime

Decisão declara inconstitucional a lei que criminaliza o porte de drogas ilícitas; o Ministério Público pode recorrer ao STF

A tese faz parte da absolvição de um homem condenado em 1ª instância por tráfico, que recorreu dizendo ser apenas usuário

DA REPORTAGEM LOCAL

O Tribunal de Justiça de São Paulo absolveu um condenado em primeira instância por envolvimento com cocaína por entender que portar e consumir droga não é crime.
O autor da polêmica decisão, seguida por três desembargadores da 6ª Câmara, foi o juiz José Henrique Rodrigues Torres, que considerou inconstitucional o artigo 28 da lei 11.343/ 06, que criminaliza, embora de maneira mais branda, o porte de drogas ilícitas.
O julgamento da apelação foi em 31 de março e o Ministério Público pode recorrer ao STF (Supremo Tribunal Federal).
"A criminalização primária do porte de entorpecentes para uso próprio é de indisfarçável insustentabilidade jurídico-penal", diz trecho da decisão, revelada ontem pelo jornal "O Estado de S. Paulo".
Para o magistrado, secretário da AJD (Associação dos Juízes para a Democracia) e também defensor da legalização do aborto no país, essa criminalização é inconstitucional porque o usuário de drogas ilícitas não coloca terceiros em risco.
"Assim, transformar aquele que tem a droga apenas e tão-somente para uso próprio em agente causador de perigo à incolumidade pública, como se fosse potencial traficante, implica frontal violação do princípio da ofensividade."
Ainda na visão do juiz, as drogas lícitas (como bebidas alcoólicas) também causam dependência física e psíquica, mas, mesmo assim, têm tratamento diferente. Além disso, ninguém pode ter sua intimidade violada, já que o uso de drogas é uma questão pessoal.
A maior tolerância para usuários de drogas ocorreu com a lei de 2006, que não prevê cadeia para quem for flagrado portando ou usando substâncias ilícitas. Em vez de prisão, a lei prevê as seguintes penas para o usuário: "Advertência sobre os efeitos das drogas; prestação de serviços à comunidade; medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo".
Ainda segundo a legislação, a diferenciação entre usuário e traficante depende da quantidade de droga apreendida, do local e das condições da prisão, além da conduta e dos antecedentes do acusado. Tudo isso submetido à avaliação do juiz.

Preso
A discussão sobre descriminalização do uso de drogas ocorreu no julgamento da apelação feita por Ronaldo Lopes, condenado por tráfico de drogas. Lopes foi preso em 17 fevereiro de 2007 com três papelotes de cocaína, com 7,7 gramas.
Os policiais disseram ter chegado ao acusado após denúncia anônima. Lopes confessou ser dono da droga, mas negou ser traficante. Disse que a cocaína era para consumo próprio.
Para o juiz Torres, não ficou configurada a traficância, já que só denúncias anônimas sustentavam essa acusação. Além disso, o juiz entendeu que, como usuário, Lopes não deveria ser submetido a medidas socioeducativas como prevê a legislação atual. E mandou colocá-lo em liberdade.
"Ora, se aquela afirmação anônima e genérica tivesse algum valor probatório, qualquer pessoa, sabendo que um vizinho é um consumidor de drogas, poderia telefonar para a polícia e dizer que ele é um traficante", argumentou.
Também foi considerado pelo magistrado o depoimento de um agente penitenciário que disse ter conhecimento de que Lopes era usuário de drogas e teria presenciado o amigo fumar maconha. Na avaliação do juiz, isso reforçou ser o acusado usuário, e não traficante.
Parte da decisão do TJ foi baseada no entendimento da juíza aposentada e advogada Maria Lúcia Karan, que defende a legalização da fabricação, comércio e consumo de drogas.
Para especialistas ouvidos pela Folha, a decisão da 6ª Câmara não tem um efeito imediato, já que não deve ser mantida pelo STF, mas provoca a discussão do tema polêmico.


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