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TJ considera que portar drogas não é crime
Decisão declara inconstitucional a lei que criminaliza o porte de drogas ilícitas; o Ministério Público pode recorrer ao STF
A tese faz parte da absolvição de um homem condenado em 1ª instância por tráfico, que recorreu dizendo ser apenas usuário
DA REPORTAGEM LOCAL
O Tribunal de Justiça de São
Paulo absolveu um condenado
em primeira instância por envolvimento com cocaína por
entender que portar e consumir droga não é crime.
O autor da polêmica decisão,
seguida por três desembargadores da 6ª Câmara, foi o juiz
José Henrique Rodrigues Torres, que considerou inconstitucional o artigo 28 da lei 11.343/
06, que criminaliza, embora de
maneira mais branda, o porte
de drogas ilícitas.
O julgamento da apelação foi
em 31 de março e o Ministério
Público pode recorrer ao STF
(Supremo Tribunal Federal).
"A criminalização primária
do porte de entorpecentes para
uso próprio é de indisfarçável
insustentabilidade jurídico-penal", diz trecho da decisão, revelada ontem pelo jornal "O Estado de S. Paulo".
Para o magistrado, secretário
da AJD (Associação dos Juízes
para a Democracia) e também
defensor da legalização do
aborto no país, essa criminalização é inconstitucional porque o usuário de drogas ilícitas
não coloca terceiros em risco.
"Assim, transformar aquele
que tem a droga apenas e tão-somente para uso próprio em
agente causador de perigo à incolumidade pública, como se
fosse potencial traficante, implica frontal violação do princípio da ofensividade."
Ainda na visão do juiz, as drogas lícitas (como bebidas alcoólicas) também causam dependência física e psíquica, mas,
mesmo assim, têm tratamento
diferente. Além disso, ninguém
pode ter sua intimidade violada, já que o uso de drogas é uma
questão pessoal.
A maior tolerância para
usuários de drogas ocorreu
com a lei de 2006, que não prevê cadeia para quem for flagrado portando ou usando substâncias ilícitas. Em vez de prisão, a lei prevê as seguintes penas para o usuário: "Advertência sobre os efeitos das drogas;
prestação de serviços à comunidade; medida educativa de
comparecimento a programa
ou curso educativo".
Ainda segundo a legislação, a
diferenciação entre usuário e
traficante depende da quantidade de droga apreendida, do
local e das condições da prisão,
além da conduta e dos antecedentes do acusado. Tudo isso
submetido à avaliação do juiz.
Preso
A discussão sobre descriminalização do uso de drogas
ocorreu no julgamento da apelação feita por Ronaldo Lopes,
condenado por tráfico de drogas. Lopes foi preso em 17 fevereiro de 2007 com três papelotes de cocaína, com 7,7 gramas.
Os policiais disseram ter chegado ao acusado após denúncia
anônima. Lopes confessou ser
dono da droga, mas negou ser
traficante. Disse que a cocaína
era para consumo próprio.
Para o juiz Torres, não ficou
configurada a traficância, já
que só denúncias anônimas
sustentavam essa acusação.
Além disso, o juiz entendeu
que, como usuário, Lopes não
deveria ser submetido a medidas socioeducativas como prevê a legislação atual. E mandou
colocá-lo em liberdade.
"Ora, se aquela afirmação
anônima e genérica tivesse algum valor probatório, qualquer
pessoa, sabendo que um vizinho é um consumidor de drogas, poderia telefonar para a
polícia e dizer que ele é um traficante", argumentou.
Também foi considerado pelo magistrado o depoimento de
um agente penitenciário que
disse ter conhecimento de que
Lopes era usuário de drogas e
teria presenciado o amigo fumar maconha. Na avaliação do
juiz, isso reforçou ser o acusado
usuário, e não traficante.
Parte da decisão do TJ foi baseada no entendimento da juíza aposentada e advogada Maria Lúcia Karan, que defende a
legalização da fabricação, comércio e consumo de drogas.
Para especialistas ouvidos
pela Folha, a decisão da 6ª Câmara não tem um efeito imediato, já que não deve ser mantida pelo STF, mas provoca a
discussão do tema polêmico.
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