São Paulo, sábado, 24 de maio de 2008

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Paciente com doença mental volta para casa após 42 anos

Graças à ajuda de profissionais-detetives da área de saúde, mulher reencontrou os filhos no interior de São Paulo

Equipe faz pesquisas em cartórios e prontuários; lei de 2001 incentiva a volta para casa de pacientes de hospitais psiquiátricos

MATHEUS PICHONELLI
CÍNTIA ACAYABA
DA AGÊNCIA FOLHA

Equipes médicas da rede pública de São Paulo encontraram, desde 2004, famílias de pelo menos 650 pacientes de hospitais psiquiátricos. Em muitos casos, são pessoas que não recebiam notícias dos parentes havia anos.
Por meio de pesquisas em prontuários, cartórios e entrevistas, médicos, psicólogos, assistentes sociais e enfermeiros coletam pistas que levam moradores de instituições a se reencontrar com parentes após décadas de internação.
Alcione Galdino, 72, internada desde os anos 60 após sofrer surtos psicóticos, passou 42 anos longe dos filhos. Em 1971, quando recebeu alta de um hospital de Ribeirão Preto (SP), ninguém foi buscá-la no local.
O marido, que se casara com outra mulher, tinha dito aos filhos que a mãe estava morta.
"Não pode ser verdade. Minha mãe morreu", disse Emília Inácio da Silva, 50, após receber, em março, um telefonema do Centro de Reabilitação de Casa Branca (SP). Equipes da instituição, para onde Alcione foi transferida no início do ano, já localizaram ao menos 260 famílias de pacientes desde 2000.
"Eu achava que meus filhos eram ainda pequenininhos", disse Alcione à Folha. Ao ser levada ao sítio onde a filha mora, em Neves Paulista (SP), ela descobriu que era avó e bisavó.
"Minha mãe tinha depressão. Na época ninguém entendia e só internava", diz Emília.
Após 20 dias com os parentes, Alcione voltou ao hospital e agora espera se aposentar e obter benefícios como o do programa federal De Volta Para Casa -que paga R$ 240 mensais por um ano a quem que deixa o hospital- para poder se mudar para a casa da filha.
Outro caso é o de Luís dos Santos, de aparentes 60 anos, que passou 20 anos separado da família após ter uma crise epilética no meio da rua e ser internado em Franco da Rocha (Grande São Paulo).
Em seus relatos, dizia ter sido abandonado. Após contato feito pela equipe médica de Casa Branca, reencontrou a irmã, com quem vive em Osasco.
Segundo Sueli Pereira Pinto, diretora do hospital de Casa Branca, histórias como a de Alcione e Luís só ocorreram porque a relação entre pacientes e profissionais de saúde mudou. Desde 2001, com a lei da reforma psiquiátrica, pacientes são incentivados a voltar para casa.
Para isso foram criados os Caps (Centros de Atenção Psicossocial), que hoje ajudam 360 mil pessoas ao ano em todo o país e prestam atendimento clínico sem internação.
"Antes, o tratamento visava a exclusão. Pessoas eram retiradas do convívio das famílias e ninguém se importava com o que o paciente dizia. O recurso era a internação. Hoje, o que o paciente diz é relevante para que ele reencontre sua história e identidade", disse Sueli.
A Secretaria de Estado da Saúde iniciou um censo para saber quantos pacientes psiquiátricos estão há mais de um ano internados. O Estado tem 58 hospitais psiquiátricos e cerca de 6.500 pacientes psiquiátricos de longa permanência internados.


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