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LETRAS JURÍDICAS
Laico, mas nem tanto
WALTER CENEVIVA
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS
S aiu na Folha esta semana: a
Suprema Corte dos Estados
Unidos reforçou a separação entre religião e Estado ao proibir
que estudantes de uma escola pública, na maioria protestantes, rezassem juntos, antes do início dos
jogos de futebol. A decisão reconheceu que as orações, apoiadas
pela direção da escola, não respeitavam a liberdade de culto dos
alunos ligados a outras religiões.
No Brasil, a Constituição republicana de 1891 extinguiu a religião oficial do Estado. Em matéria
de fé religiosa, o revogado artigo
5º da Carta Imperial de 1824 era
muito restritivo, ao afirmar que a
"Religião Católica Apostólica Romana (assim mesmo, tudo em
maiúsculas) continuará a ser a
Religião do Império". Templos,
só os católicos.
É bem verdade que o artigo 179,
em 1824, dizia: "ninguém pode
ser perseguido por motivo de religião". Logo a seguir, porém, percebia-se a fraqueza da ressalva. A
liberdade seria mantida, desde
que o fiel de outra religião respeitasse a do Estado e não ofendesse
a moral pública, em conceito tão
vago que permitia perseguições
quando conviesse ao padre ou ao
líder político, muitas vezes concentrados na mesma pessoa.
A Constituição republicana acabou com isso. Mesmo os cemitérios, que antes eram controlados
pelas irmandades religiosas católicas, passaram a ter estrito caráter secular, admitindo outros cultos, desde que não ofendessem a
moral pública e a lei. A primeira
Carta da República foi além, ao
admitir o exclusivo reconhecimento do casamento civil.
Em tese, portanto, o Brasil é um
Estado laico, desligado de qualquer religião, tanto que a atual
Constituição assegura "o livre
exercício dos cultos religiosos" e
garante, "na forma da lei, a proteção aos locais de culto e suas liturgias" (artigo 5º, no inciso 6º).
Como é próprio das leis, o Estado laico, no Brasil, não é muito
verdadeiro, porque os vínculos
com as religiões existem, definidos na própria Carta. Não se tem
a religião do Estado, mas o ensino
religioso é aceito (embora sem ser
obrigatório). O casamento religioso com efeito civil é admitido,
desde que obedecidos certos requisitos específicos.
A igualação passa por lances
nos quais o velho predomínio do
catolicismo (é a minha religião,
preciso esclarecer ao leitor) subsiste. O último dia 22, por exemplo, foi feriado nacional, ofendendo o direito ao trabalho de muçulmanos, judeus, xintoístas, budistas e outros, mesmo de alguns
cristãos, tendo em vista a origem
católica do "Corpus Christi", tanto quanto as orações protestantes
na escola pública americana.
Pelo Brasil afora, são dias santificados o de Reis (6 de janeiro), a
quinta e a sexta-feira santas (Endoenças e Paixão), o Sábado de
Aleluia e, ainda em junho, a Ascensão do Senhor e as chamadas
festas juninas, encerradas dia 29,
em honra de são Pedro.
A mais evidente desconsideração pelo direito dos que têm outras religiões é o feriado nacional
de 12 de outubro, dedicado à padroeira (católica) do Brasil, sem
falar no dia de Nossa Senhora da
Conceição (8 de dezembro) e até
mesmo no Natal, celebrando o
nascimento de Jesus Cristo, o
mais importante dos dias santificados para nós, católicos.
Cada feriado decretado em homenagem a fato ou pessoa de
qualquer religião, proibindo, por
exemplo, atividades no trabalho,
comércio ou indústria, corresponde a uma inconstitucionalidade, pela ofensa às regras do Estado laico que, em tempos mais recentes, também vêm sendo atingidas pelo forte envolvimento da
religião e da política, com recursos captados do povo, alterando o
equilíbrio das relações sociais.
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