São Paulo, domingo, 24 de junho de 2001

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GILBERTO DIMENSTEIN

Por que o presidente da Fiesp pode votar em Lula

Na hipótese de haver, no segundo turno da eleição presidencial, uma disputa entre Itamar Franco e Luiz Inácio Lula da Silva, qual seria a posição do presidente da Fiesp, Horácio Lafer Piva?
Ele responde sem titubear: "Voto no Lula. Não vou ajudar a colocar na Presidência da República um político temperamental, cheio de esquisitices e manias". Apesar de desconfiar do PT, Horácio Piva afirma que Lula, amargando derrota após derrota, aprendeu mais que Itamar Franco com a realidade econômica.
E se ocorrer uma disputa entre o PT e Ciro Gomes? "Nesse caso, vou ter de pensar mais", afirma Piva, também com um pé atrás -preocupado com o temperamento do ex-governador do Ceará, cujas idéias, entretanto, estão mais próximas das suas.
Submetido às mesmas perguntas, Antônio Ermírio de Moraes, um dos mais importantes empresários brasileiros, faz silêncio, pensa alguns segundos e responde: "Sinceramente não sei". Diante da insistência por uma definição, ele, um tanto a contragosto, concede: "Não é possível ficar com o PT, mas também não é fácil votar em Itamar. Entre os dois, Itamar é o mal menor".
Para Antônio Ermírio, essa hipótese de segundo turno, terrível na sua opinião, explica-se, em larga medida, por um fato: "O governo Fernando Henrique Cardoso acabou".
As posições de Piva e de Antônio Ermírio estão refletidas numa pesquisa realizada com empresários pelo instituto Vox Populi, na qual Lula ganha de Itamar e perde por pouco de Ciro Gomes. O levantamento mostra que Ciro Gomes tem a simpatia de 30% do empresariado, seguido por Lula, que conquista 25% dele, e, depois, por Itamar, que atrai 21% de seus votos. Ciro e Lula estão quase empatados tecnicamente.
Entre os empresários, José Serra, apresentado como o possível candidato oficial da situação, conta com 6% da preferência - posição quase igual à do folclórico Enéas, detentor de 5%.
Na ótica de curto prazo, habitual entre políticos, a leitura óbvia é a de que, com a crise energética, o governo apagou e a oposição está brilhando. Correto. O problema, porém, é o que pode acontecer depois das eleições.
A tendência, não menos óbvia, é que a limitação energética vá segurar o crescimento da economia e aumentar o desemprego, o que significa menos recursos (provenientes de impostos) nos cofres do governo. A instabilidade política não é exatamente o melhor atrativo para investimentos externos.
O presidente eleito estará cercado de uma enorme demanda tanto de crescimento econômico e de geração de novos empregos como, ainda por cima, de investimentos sociais e em infra-estrutura. Para piorar a situação, os três presidenciáveis favoritos -Lula, Itamar e Ciro- vão ter de conquistar maioria no Congresso.
Basta ver o que acontece aqui em São Paulo. Marta Suplicy se elegeu acenando com investimentos sociais. Na sua gestão, conforme as promessas de campanha, haveria mais empregos e até mais segurança pública: promessas que as pessoas, de olho na implacabilidade do Orçamento, sabiam ser fantasiosas.
Apesar de todo o seu esforço e de toda a sua boa vontade em acertar, Marta vem sofrendo, cada vez mais, o desgaste provocado pelo contraste entre as necessidades de uma cidade como São Paulo e os recursos disponíveis.
Ressalve-se que há várias atenuantes à questão paulistana. Marta angariou a simpatia, em maior ou menor grau, dos empresários, dos meios de comunicação e da classe média. Além disso, tem maioria na Câmara Municipal. Mesmo assim, a prefeita não consegue colocar as crianças em creches nem regularizar a coleta do lixo. Para não assumir o desgaste, ataca o Palácio do Planalto.
Também com os cofres vazios, a reação de Itamar para chamar a atenção do eleitorado foi travar uma guerra com Brasília -numa mistura das encenações de Jânio Quadros com a impetuosidade mercadológica de Fernando Collor.
Para uma entidade cujo presidente chegou a dizer, em passado recente, que a vitória do PT produziria uma debandada de centenas de milhares de empresários, a opção de Piva mostra que a Fiesp e Lula podem ter mudado -mostra, porém, acima de tudo, que a crise econômica, agravada com a escassez de energia e apimentada pela crônica carência social, deixou o empresariado politicamente abandonado. Está a tal ponto abandonado que, comparado a Itamar, Lula aparece como político de bom senso em questões de mercado.
PS- Para não falar apenas de crise, vale a pena registrar um notável sinal de competência na administração pública, divulgado na semana passada. Em cinco anos, a mortalidade infantil diminuiu drasticamente em Florianópolis -graças a um programa combinado de acompanhamento das gestantes e dos bebês. Caiu 63%, fazendo de Florianópolis a primeira capital nacional com um índice de mortalidade infantil abaixo dos dois dígitos.
Por trás disso, a educação, claro. Já estive em escolas públicas em Florianópolis que fariam inveja a instituições privadas de cidades como São Paulo, Rio ou Belo Horizonte devido ao entrosamento com a comunidade.

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