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DEGRADAÇÃO
Em colégio da zona sul, ameaças, professores agredidos, alunos espancados e carros incendiados fazem parte da cartilha
Periferia de SP vive o cotidiano da violência na educação
DÉBORA YURI
DA REVISTA
Terça-feira, 20h40, hora do intervalo na Escola Estadual Padre
Tiago Alberione, Cidade Júlia,
bairro de periferia da zona sul de
São Paulo. Alunos e alunas do período noturno conversam em rodas, fumam, paqueram, fazem
piadinhas sobre futebol -como
em qualquer colégio.
Algumas imagens, no entanto,
não combinam com a hora do recreio. Um carro da Polícia Militar
está estacionado dentro do pátio,
e três policiais circulam entre os
estudantes. No lado de fora, pais e
mães se espremem para checar se
está tudo bem.
Escola modelo até quatro anos
atrás, quando chegou a ser usada
como exemplo na campanha eleitoral do governador Mário Covas,
a Tiago Alberione foi parar no noticiário policial na semana passada, vítima de uma espiral de violência que inclui ameaças de morte, professores agredidos em sala
de aula, carros pichados e incendiados no estacionamento, alunos espancados dentro do banheiro ou em fila.
No começo da semana, apavorados, os professores suspenderam as aulas para pedir mais segurança. As aulas voltaram, mas a
rotina pouco mudou.
Cidade Júlia é um daqueles bairros que se encaixam na categoria
"favela melhorada", típicos da periferia paulistana: mal iluminados, ruas esburacadas e milhares
de barracos. Ali se cumpre fielmente a lei mais respeitada na periferia, a do silêncio.
"Têm garotos de fora que entram na escola porque querem
matar alunos, invadem a quadra e
dão tiros. No intervalo, você tem
que ficar segurando o material
para não roubarem. Os professores têm medo e não querem mais
dar aula aqui", diz Simone*, 15,
do primeiro ano do ensino médio.
A realidade violenta não é monopólio da Tiago Alberione. Segundo pesquisa concluída em dezembro pela Udemo (Sindicato
de Especialistas em Educação do
Magistério Oficial do Estado de
São Paulo), que consultou 496 escolas da rede pública estadual,
81% sofreram algum tipo de violência no ano de 2000. A pesquisa
mostrou ainda que 84% registraram agressões ou desacato a professores; 68%, brigas internas envolvendo alunos; 24%, tráfico e
consumo de drogas dentro da
unidade escolar; 22%, ameaças de
morte; 19%, invasão de estranhos;
18%, porte de armas; e 4%, homicídio de alunos.
Mas no caso da escola da Cidade
Júlia o que dói, dizem os envolvidos, é o fato de a escola "modelo"
ter "degringolado". "As mães faziam fila de madrugada para conseguir colocar seus filhos lá dentro", afirma o líder comunitário
Ubiratã Virgínio da Silva, 38.
"É aquela coisa. Um aluno pobre, com pais pobres, vivendo
uma vida miserável, e um professor que também tem problemas
financeiros. Aí, um fala mais alto e
pronto, começa uma briga", diz
Adilson, 37, policial militar que há
13 anos faz ronda escolar em 12
escolas da região, incluindo a Tiago Alberione.
Alunos e alguns professores
atribuem a derrocada da escola a
uma sucessão de direções incompetentes e à violência. Mas o conflito explodiu, dizem, depois de 5
de junho, quando três policiais
-um deles identificado como
"Diabo Loiro"-, chamados pela
escola, teriam espancado um aluno no banheiro da escola.
Adilson não acredita nessa versão. "Todo mundo fala que bateram nele, mas cadê o BO? Por que
não deram queixa?" Ele acha que
pais e alunos têm sua parcela de
responsabilidade. "Olhe o que os
seus filhos fazem! Depois vocês
vêm aqui na porta reclamar da escola e da polícia. Eles picham os
muros, quebram carteiras, criam
desordem", afirma.
O policial mora em Vila Clara,
também na zona sul. Seus dois filhos (de seis e nove anos) estudam
em escola pública. Como o salário
é insuficiente para sustentar a família, o policial faz bico no comércio. Somando os dois empregos, ganha cerca de R$ 1.500.
É pouco mais do que os R$ 1.260
recebidos por Antônio, 30, que dá
aula na Tiago Alberione há oito
anos. Professor em duas escolas
públicas, ele trabalha de manhã e
à noite, de segunda a sexta. Tem
aproximadamente 400 alunos.
Não é casado nem tem filhos.
Tem boa relação com os alunos
do colégio e é um dos mais respeitados da escola, segundo os estudantes, mas também já sofreu
agressão física. "Eu estava dando
aula e um menino começou a
chutar a porta, queria entrar. Eu
gritei com ele, e ele voou para cima de mim. Fiquei calmo, levei na
conversa", conta.
Antônio defende os alunos, diz
que é preciso abrir um canal de
diálogo, ganhar respeito, não impor. "Esses são os professores que
se dão bem entre alunos barra-pesada", declara.
"Muitos são perueiros clandestinos, sofrem ameaças ou são office-boys. Nenhum tem dinheiro. É
o desemprego, a influência do
bairro onde vivem, nenhuma
perspectiva de futuro. É um total
abandono aliado a uma educação
que exclui." Afirma que não
adianta endurecer, gritar, ameaçar ou chamar a polícia.
Antônio diz que chegou a conversar com Diego, o aluno supostamente agredido. "Disse para ele
sair do meio da confusão e se controlar, para não revidar a agressão." Conta que muitos professores são a favor da expulsão dele.
"Eu acho que ele merece uma
chance, é um garoto especial."
Personagem central do conflito,
Diego, 19, primeiro ano do ensino
médio, estuda na Tiago Alberione
desde o primário. Todo mundo o
conhece, e é apontado como um
dos autores do incêndio ao carro
de um professor, ocorrido no dia
13. "Não sou cabeça de nada", ele
diz, "mas "eles" sempre pegam os
inocentes".
Diego diz que apanhou no dia 5
de junho, depois que a escola
amanheceu cheia de cartazes que
ameaçavam a diretora. A agressão, diz, durou 20 minutos. "Um
dos policiais gritava que eu era
um vagabundo qualquer, que
qualquer dia ia me matar. Levei
coronhadas no peito e consigo me
lembrar da dor forte dos dois primeiros chutes no saco... Os outros, nem senti mais."
Não faltam histórias para os
moradores das imediações: troca
de tiros toda madrugada, traficantes que teriam expulsado moradores de quatro casas, uma senhora que foi assassinada por engano quando voltava para casa.
Virou rotina. "Não tenho mais
medo, já estou acostumada. Olha,
são 21h e eu estou na rua", afirma
Patrícia, 17, terceiro ano, que estuda na Tiago Alberione desde 1996.
O pesquisador Eduardo Brito,
32, do Núcleo de Estudos da Violência da USP, aponta outro aspecto de situações como a da Tiago Alberione. "Esse ambiente de
exclusão, de miséria, de abandono, vai pouco a pouco minando a
capacidade do indivíduo de sonhar, de querer fazer as coisas. Isso é o mais grave, o mais triste."
* Os personagens identificados pelo prenome tiveram a identidade preservada
Leia a reportagem completa no site
www.uol.com.br/revista
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