São Paulo, segunda-feira, 24 de julho de 2000


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DROGAS

Juízes optam por encaminhar usuários e dependentes para desintoxicação em vez de aplicarem penas de até dois anos

Justiça condena preso a fazer tratamento

FLÁVIA DE LEON
DA REPORTAGEM LOCAL

Oferecer tratamento de desintoxicação a usuários e dependentes de drogas é a nova tendência no Judiciário brasileiro, em substituição à detenção de usuários e dependentes de tóxicos.
Em pelo menos oito Estados, o tratamento é recomendado como alternativa à pena de prisão ou mesmo à de prestação de serviço comunitário. Em alguns casos, a desintoxicação funciona como complementação.
Em todo o país, no entanto, o tratamento só é possível quando o réu tem dinheiro ou quando o próprio Judiciário firma convênios com entidades assistenciais, como vem ocorrendo no Acre, no Rio Grande do Norte, em Minas Gerais e no Rio Grande do Sul.
A rede pública de saúde não tem condições de oferecer o tratamento indicado pelo Judiciário. Só agora, por determinação do ministro José Serra (Saúde), o governo começa a pensar no assunto.
"Eu diria que o sistema existente no país é insuficiente do ponto de vista qualitativo. Os hospitais atendem na psiquiatria, o que é uma concepção arcaica a respeito do uso de drogas", afirmou o secretário de Assistência à Saúde do ministério, Renilson Rehem.
Segundo ele, o estudo sobre como a rede pública poderá oferecer desintoxicação deve estar pronto em breve.
Em geral, quando alguém é preso com pequena quantidade de tóxico e alega dependência ou uso, o juiz suspende a pena de detenção de seis meses a dois anos, prevista na lei sobre tóxicos, de 76, e aplica penas alternativas, de 95. Assim, o réu é condenado a prestar serviço comunitário.
A lei de 76 está sendo reformada no Congresso. O dois textos em tramitação no Senado não prevêem prisão para usuários, mas tratamento, medidas educativas ou restritivas de direitos.
Em alguns Estados brasileiros, os juízes têm determinado que o réu se submeta a desintoxicação e que prove isso nas visitas periódicas (quase sempre trimestrais), que tem de fazer à Justiça.
Só que essas visitas limitam-se ao comparecimento, por parte do réu, a um balcão do fórum local, onde uma ficha é preenchida e assinada. Não há psicólogos ou assistentes sociais disponíveis para uma avaliação mais apurada.
"O usuário não é para ser apenado. Ele é uma pessoa que precisa de ajuda. Mas falta uma melhor estrutura. Precisamos de psicólogos que façam acompanhamento", disse o presidente do STJ (Superior Tribunal de Justiça), ministro Paulo Costa Leite.
Segundo ele, a tendência de "despenalizar" o usuário e dependente tem sido vista como uma ótima alternativa à descriminação das drogas. "Se o uso deixa de ser crime, como punir quem vende? Acho que a descriminação não passa, é culturalmente inaceitável. Mas despenalizar é algo que está maduro no Judiciário", afirmou.
A falta de estrutura pública de apoio às decisões judiciais é reclamada também pelas associações que representam juízes.
Para Antônio Carlos Viana, presidente da AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros), "o Estado em si não se preocupa com o problema, como não se preocupa com a saúde em geral".
O presidente da Ajuf (Associação dos Juízes Federais), Flávio Dino, diz que falta estrutura até mesmo para fiscalizar o cumprimento das penas alternativas.
Para Marco Antônio Marques da Silva, diretor da AMB e conselheiro jurista do Conad (Conselho Nacional Antidrogas), a despenalização é a alternativa. "O uso continua proibido, mas, em vez de pena, o réu recebe tratamento. O que falta é estrutura social, é a sociedade se movimentar", disse.
Para Kenarik Boujikian Felippe, presidente da Associação dos Juízes para a Democracia, "aplicar a pena de prisão não resolve em hipótese nenhuma". Porém, disse, a questão é "também de saúde, e não depende só do Judiciário".
Tratar usuários de drogas é prática comum nos Estados Unidos, onde há dez anos foram criadas as primeiras "Drug Courts", ou cortes de drogas. Só que o tratamento inclui uma medida impensável no Brasil: o teste clínico obrigatório para verificar a abstinência.
Aqui, a tradição jurídica reza que ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo.
Nos EUA, para livrar-se da prisão, o réu aceita submeter-se ao tratamento e aos testes. A escala de punição acompanha o exame de sangue ou de fio de cabelo: um resultado positivo pode render um dia na prisão; dois positivos, um fim-de-semana na cadeia.


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