|
Próximo Texto | Índice
DROGAS
Juízes optam por encaminhar usuários e dependentes para desintoxicação em vez de aplicarem penas de até dois anos
Justiça condena preso a fazer tratamento
FLÁVIA DE LEON
DA REPORTAGEM LOCAL
Oferecer tratamento de desintoxicação a usuários e dependentes
de drogas é a nova tendência no
Judiciário brasileiro, em substituição à detenção de usuários e
dependentes de tóxicos.
Em pelo menos oito Estados, o
tratamento é recomendado como
alternativa à pena de prisão ou
mesmo à de prestação de serviço
comunitário. Em alguns casos, a
desintoxicação funciona como
complementação.
Em todo o país, no entanto, o
tratamento só é possível quando o
réu tem dinheiro ou quando o
próprio Judiciário firma convênios com entidades assistenciais,
como vem ocorrendo no Acre, no
Rio Grande do Norte, em Minas
Gerais e no Rio Grande do Sul.
A rede pública de saúde não tem
condições de oferecer o tratamento indicado pelo Judiciário. Só
agora, por determinação do ministro José Serra (Saúde), o governo começa a pensar no assunto.
"Eu diria que o sistema existente no país é insuficiente do ponto
de vista qualitativo. Os hospitais
atendem na psiquiatria, o que é
uma concepção arcaica a respeito
do uso de drogas", afirmou o secretário de Assistência à Saúde do
ministério, Renilson Rehem.
Segundo ele, o estudo sobre como a rede pública poderá oferecer
desintoxicação deve estar pronto
em breve.
Em geral, quando alguém é preso com pequena quantidade de
tóxico e alega dependência ou
uso, o juiz suspende a pena de detenção de seis meses a dois anos,
prevista na lei sobre tóxicos, de
76, e aplica penas alternativas, de
95. Assim, o réu é condenado a
prestar serviço comunitário.
A lei de 76 está sendo reformada
no Congresso. O dois textos em
tramitação no Senado não prevêem prisão para usuários, mas
tratamento, medidas educativas
ou restritivas de direitos.
Em alguns Estados brasileiros,
os juízes têm determinado que o
réu se submeta a desintoxicação e
que prove isso nas visitas periódicas (quase sempre trimestrais),
que tem de fazer à Justiça.
Só que essas visitas limitam-se
ao comparecimento, por parte do
réu, a um balcão do fórum local,
onde uma ficha é preenchida e assinada. Não há psicólogos ou assistentes sociais disponíveis para
uma avaliação mais apurada.
"O usuário não é para ser apenado. Ele é uma pessoa que precisa de ajuda. Mas falta uma melhor
estrutura. Precisamos de psicólogos que façam acompanhamento", disse o presidente do STJ (Superior Tribunal de Justiça), ministro Paulo Costa Leite.
Segundo ele, a tendência de
"despenalizar" o usuário e dependente tem sido vista como uma
ótima alternativa à descriminação
das drogas. "Se o uso deixa de ser
crime, como punir quem vende?
Acho que a descriminação não
passa, é culturalmente inaceitável.
Mas despenalizar é algo que está
maduro no Judiciário", afirmou.
A falta de estrutura pública de
apoio às decisões judiciais é reclamada também pelas associações
que representam juízes.
Para Antônio Carlos Viana, presidente da AMB (Associação dos
Magistrados Brasileiros), "o Estado em si não se preocupa com o
problema, como não se preocupa
com a saúde em geral".
O presidente da Ajuf (Associação dos Juízes Federais), Flávio
Dino, diz que falta estrutura até
mesmo para fiscalizar o cumprimento das penas alternativas.
Para Marco Antônio Marques
da Silva, diretor da AMB e conselheiro jurista do Conad (Conselho
Nacional Antidrogas), a despenalização é a alternativa. "O uso continua proibido, mas, em vez de
pena, o réu recebe tratamento. O
que falta é estrutura social, é a sociedade se movimentar", disse.
Para Kenarik Boujikian Felippe,
presidente da Associação dos Juízes para a Democracia, "aplicar a
pena de prisão não resolve em hipótese nenhuma". Porém, disse, a
questão é "também de saúde, e
não depende só do Judiciário".
Tratar usuários de drogas é prática comum nos Estados Unidos,
onde há dez anos foram criadas as
primeiras "Drug Courts", ou cortes de drogas. Só que o tratamento
inclui uma medida impensável no
Brasil: o teste clínico obrigatório
para verificar a abstinência.
Aqui, a tradição jurídica reza
que ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo.
Nos EUA, para livrar-se da prisão, o réu aceita submeter-se ao
tratamento e aos testes. A escala
de punição acompanha o exame
de sangue ou de fio de cabelo: um
resultado positivo pode render
um dia na prisão; dois positivos,
um fim-de-semana na cadeia.
Próximo Texto: Presos aceitam a nova alternativa Índice
|