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São Paulo, quinta-feira, 24 de julho de 2003

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VIOLÊNCIA

Luis Antônio da Costa foi assassinado na entrada de acampamento; sem-teto negam envolvimento com o crime

Fotógrafo é morto em frente a área invadida

André Porto/Folha Imagem
 

As fotos ao lado foram feitas logo após o disparo que matou o repórter-fotográfico Luís Antônio Costa, 36, da revista "Época"; nelas pode ser visto um homem de vestimenta bege com uma arma na mão, que foge em seguida


DA REPORTAGEM LOCAL

O repórter-fotográfico Luis Antônio da Costa, 36, conhecido profissionalmente como La Costa, foi morto ontem, às 15h20, com um tiro à queima-roupa em frente ao acampamento do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto), em São Bernardo do Campo (ABC paulista). Ele prestava serviços à revista "Época".
A polícia trabalha com a hipótese de o autor do disparo ser um dos três homens que, minutos antes, haviam assaltado um posto de combustíveis a cerca de 100 metros do local do assassinato, na avenida dr. José Fornari, bairro Ferrazópolis.
A descrição de um dos ladrões, fornecida pela proprietária do posto durante depoimento no 6º Distrito Policial de São Bernardo do Campo, confere com a do atirador, que apareceu em fotos feitas pelo repórter-fotográfico André Porto, do "Agora", que estava perto da vítima no momento do crime.
Segundo Porto, o atirador tentou arrancar a câmera de La Costa antes de matá-lo. Segundo a editoria da fotografia da "Época", La Costa usou no trabalho duas máquinas fotográficas -uma digital e outra convencional. A última desapareceu em meio ao tumulto, e a digital foi entregue à revista. Não foi encontrada nenhuma imagem que pudesse dar pistas sobre o crime.
A dona do posto disse ainda que, após o roubo -de R$ 60-, viu os assaltantes irem em direção à entrada do terreno, que foi invadido no sábado. O filho dela, que seguiu os ladrões, disse à polícia que viu um deles em meio ao tumulto, com uma arma na mão.
A polícia também investiga a hipótese de o assassino ter saído do próprio acampamento, onde estão cerca de 4.000 pessoas desde o último sábado, segundo a Polícia Militar. Os líderes dos sem-teto negaram envolvimento com o caso e divulgaram uma nota em que lamentam a morte do fotógrafo.
O delegado seccional em exercício de São Bernardo do Campo, Roberto Avino, evitou relacionar o caso aos ocupantes do terreno. "Por enquanto, não há relação entre o MTST e a morte do fotógrafo", disse ele, ontem à tarde.
O tiro que atingiu La Costa foi disparado a curta distância, atingiu o tórax, atravessou o corpo e saiu pela região do ombro esquerdo. O repórter-fotográfico foi socorrido pelo suplente de deputado estadual Wagner Lino (PT) e pelo repórter Alexandre Mansur, da revista "Época".
La Costa chegou sem vida ao pronto-socorro central de São Bernardo do Campo.

Disparo
Repórteres, fotógrafos e cinegrafistas que estavam no local disseram que, no momento do tiro, o grupo conversava com Camila Alves, líder do MTST, sobre a ordem de reintegração de posse obtida na véspera pela Volkswagen, proprietária do terreno de 170 mil m2.
Alves estava dentro do carro e os jornalistas, ao lado. "Eu estava gravando a entrevista com a coordenadora e vi quando dois homens vieram em nossa direção, de dentro do acampamento", disse o cinegrafista Robson Senhoraes, da Rede Globo.
"Um dos homens fixou o olhar em mim e puxou minha câmera. Nesse momento, ouvi o disparo, e o fotógrafo já estava caído."
O repórter do "Diário do Grande ABC" Javier Contreras, 26, afirmou que, momentos antes do tiro, dois homens entraram no acampamento. Logo em seguida, saíram, e um deles teria atirado.
Segundo testemunhas, após o tiro, os suspeitos fugiram em direção ao acampamento. Até o fechamento desta edição, nenhum suspeito havia sido detido pela polícia.
O delegado Roberto Avino sustentou que não havia necessidade de policiais entrarem no acampamento em busca de pistas. "Isso vai ser feito durante a investigação. Não tenho estrutura para isso agora", afirmou.

Nota
Depois do crime, por volta das 17h30, a coordenação do MTST divulgou uma nota sobre o tema. "Lamentamos o ocorrido, nos solidarizamos com a família do profissional e manifestamos nosso repúdio à violência porque somos um movimento pacífico em busca de moradia digna", diz o texto, lido por Camila Alves. "Desejamos que isso não se torne motivo para uma violência ainda maior."
Nos últimos dias, militantes do MTST promoveram um inchaço na ocupação, que começou com apenas 300 famílias. Carros de som circularam pela região convocando moradores a acampar no local. Ontem, novos invasores continuavam chegando ao local.
"Vamos reforçar o sistema de segurança", disse Camila Alves. A coordenadora disse ainda que não é permitido entrar com armas no local e que as pessoas são revistadas. Durante o tempo em que permaneceu no local, a reportagem não viu isso acontecer.
João Batista Costa, outro dos coordenadores do movimento, criticou a falta de policiamento no local. "A Polícia Militar deveria deixar viaturas em frente ao acampamento", disse.
O coronel Abel Batista Camillo Júnior, chefe do setor de Comunicação Social da PM, disse que houve reforço de policiamento na região.

Imprensa
Desde cedo, o clima no acampamento era tenso. A imprensa foi impedida de entrar. Militantes reclamavam de uma reportagem, veiculada pela "TV Globo", em que uma das entrevistadas, ocupante do terreno, afirmou que queria terra para criar gado.
Em um carro de som, utilizado para dar aos acampados informações sobre o andamento do processo de reintegração de posse, militantes diziam para ninguém dar declarações aos jornalistas.
Por volta de 12h, houve uma pequena entrevista coletiva para anunciar que a comissão de fábrica dos funcionários da Volkswagen estava solidária ao movimento e vice-versa. Os empregados da fábrica temem a demissão de 4.000 pessoas.
Àquela hora, João Batista Costa afirmava que a intenção dos acampados era resistir a uma possível desocupação. Ontem à tarde, uma reunião entre PM, prefeitura, oficiais de Justiça e representantes da Volkswagen definiu os detalhes do despejo. "Foi uma reunião de estratégia. Mas a reintegração não será feita antes de negociar com os invasores", disse o coronel Camillo Júnior.


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