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INCULTA & BELA
'Desculpa' e 'desculpe'
PASQUALE CIPRO NETO
Colunista da Folha
Uma amiga esteve em Portugal. Andando pelas históricas ruas de Coimbra -talvez
encantada com o que via-,
literalmente colidiu com uma
senhora, que desabou.
"Desculpa", disse minha
amiga. Pobre amiga. Mal sabia que acabara de dar dupla
munição à senhora.
O primeiro erro foi andar
desatentamente e derrubar a
pobre criatura, já distante da
tenra idade.
O segundo foi dizer "desculpa" a uma pessoa mais velha e
nunca vista antes.
O que se seguiu foi acalorado discurso formalista da vítima: "Jogas-me ao chão e ainda me dás o tu. Quem pensas
que és?".
Esquecida das aulas de gramática, minha amiga não entendeu nada do que disse a
senhora portuguesa. Considerou-a maluca. De pedra.
Na volta de Portugal, quando me encontrou, relatou-me
o ocorrido. Adorei a história.
É prova cabalíssima da importância do conhecimento de
todas as variantes da língua
-a culta incluída, é claro.
Sim, a culta, porque nas cidades médias e grandes de
Portugal o que se ouve no
dia-a-dia muitas vezes é bem
próximo do que no Brasil só se
ouve em aulas de gramática.
No caso, o que está em jogo é
a diferença entre formalidade
e informalidade.
Em espanhol e em italiano,
por exemplo, essa diferença é
mais do que clara.
"Usted", em espanhol, é tratamento respeitoso. Corresponde a "senhor" ou "senhora" (e não a "você", pelo amor
de Deus!). É pronome de terceira pessoa e por isso exige o
verbo e os outros pronomes
também na terceira pessoa.
Em italiano, o pronome de
cerimônia é "lei", também para homens e mulheres e também de terceira pessoa.
Em espanhol, em italiano e
no português de Portugal, o
pronome de intimidade é "tu",
igual nas três línguas.
Se você já se esqueceu das
regras de formação do imperativo afirmativo, é bom lembrar que a segunda do singular, ou seja, "tu", vem do presente do indicativo, sem o "s".
Para o verbo "andar", por
exemplo, a forma seria "anda"
(andas-s=anda): "Como és
mole, rapaz. Anda logo!".
O que disse minha amiga?
"Desculpa", imperativo da segunda pessoa (desculpas-s=desculpa). Em Portugal, essa forma é usada para
"tu", ou seja, para pessoas íntimas, ou muito mais novas.
Dirigindo-se a pessoa mais
velha ou desconhecida, emprega-se a terceira pessoa (senhor/senhora): "Desculpe".
Para nós, tudo isso parece
um grande absurdo. Não temos o hábito de diferenciar o
tratamento pessoal pela forma verbal ou pronominal.
Volto ao assunto na próxima coluna. É isso.
Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna
às quintas-feiras
E-mail: inculta@uol.com.br
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