São Paulo, quinta, 24 de setembro de 1998

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OPINIÃO

Um olhar verde e inteligente

JOSÉ ARISTODEMO PINOTTI

A preocupação ecológica não pode ser maior com o verde, as araras e os jacarés do Amazonas do que com o homem dos grandes centros urbanos. As mesmas atividades que poderão ameaçar o clima da Terra no futuro, pelo "efeito estufa", estão ameaçando hoje, gravemente, a saúde dos homens.
Vamos refletir sobre um tipo de poluição, a atmosférica, e uma única variável de poluente, a combustão de petróleo e derivados, que atua em duas direções negativas: produz dióxido de carbono e outros gases, além de partículas que podem causar doenças e prejudicar seriamente os pulmões.
Recentemente, foi publicado um interessante artigo na "Lancet", analisando o efeito, a curto prazo, da combustão de petróleo sobre a saúde das pessoas. Algumas conclusões merecem destaque.
1) As partículas desprendidas podem ser transportadas por milhares de quilômetros. A poluição das áreas metropolitanas pode atingir regiões bastante distantes.
2) Quatro em cada cinco pessoas que irão morrer nas próximas décadas por causa de questões ambientais estão nos países em desenvolvimento.
3) Reduções na emissão dessas partículas podem prevenir, a partir dos próximos anos, 700 mil mortes prematuras a cada ano.
4) Há medidas que podem levar a benefícios imediatos na diminuição de partículas e na proteção da saúde pública. Até 2020, 8 milhões de mortes poderão ser evitadas com essas providências.
As partículas existentes no ar podem se originar de diversas fontes. A maioria das partículas menores resulta da combustão do petróleo. Seus efeitos adversos para a saúde são tanto maiores quanto menores elas são. Podem atingir a profundidade dos pulmões e entrar até na circulação sanguínea.
Considerando que uma pessoa respira vários milhões de litros de ar por ano, o ar poluído pode produzir lento, insidioso e devastador efeito nos pulmões e no organismo, particularmente nas crianças e nos que já estão, de alguma maneira, enfraquecidos. A emissão do CO2 hoje no mundo chega a uma tonelada por pessoa/ano, com 25% desse total produzido por 5% da população mundial. O mundo desenvolvido é responsável por 17% da emissão de CO2; os demais 83% são produzidos pelos países em desenvolvimento.
O cálculo dos custos em saúde com a exposição das pessoas a essa poluição tem sido feito por diferentes países e instituições. Há pouco, o Banco Mundial estimou-os para os residentes urbanos da China em US$ 32 bilhões, ou US$ 129 por habitante exposto.
O aumento da emissão de partículas e da produção de CO2 é especialmente significante nas megalópoles emergentes. Um exemplo gritante é a região metropolitana de São Paulo, onde o número de pessoas que podem ser expostas a riscos importantes da poluição do ar é questão sem precedentes na história da humanidade.
Qualquer redução na emissão de CO2 e de partículas decorrentes do uso do combustível fóssil protegerá direta e imediatamente a saúde e a vida das pessoas e, a longo prazo, o próprio ambiente e a sobrevivência do gênero humano.
O exemplo da poluição atmosférica serve para mostrar que é preciso começar a pensar saúde e desenvolvimento com olhos ecológicos. Assim, aplicaríamos mais recursos em transportes coletivos e não poluentes do que em pontes, túneis e viadutos que aumentam a quantidade de carros nas ruas (sem resolver o problema do trânsito). E reativaríamos o programa do álcool como combustível, absurdamente abandonado.
Com medidas desse tipo, economizaremos recursos gastos em saúde e ofereceremos mais anos de vida do que aqueles que estamos preservando com tudo o que fazemos no sistema de saúde, com diagnósticos ou tratamentos. Parece simples e, de fato, é. Basta olhar o desenvolvimento e a saúde com um olhar verde e inteligente.


José Aristodemo Pinotti, 63, é deputado federal pelo PSB-SP e professor titular de ginecologia e obstetrícia da Faculdade de Medicina da USP. Foi secretário da Saúde e da Educação do Estado de São Paulo e reitor da Unicamp

E-mail:jose.pinotti@persocom.com.br



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