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MOACYR SCLIAR
O professor do desejo
Nas aulas práticas, os alunos treinariam diferentes técnicas, que seriam devidamente registradas em vídeo
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Ex-ator e ex-produtor de pornochanchada dá aulas de sexo. O ex-ator e ex-produtor de pornochanchadas Dorival Coutinho montou uma escola em que pretendia formar novos alunos pornôs, mas a
maior procura foi de homens que querem
melhorar o desempenho na cama.
Cotidiano, 19 de novembro de 2008
QUANDO LEU A NOTÍCIA sobre o
curso de sexo, seu coração se
acelerou: ali estava a oportunidade que vinha buscando há muito
tempo. Aquilo representava, por várias razões, o sonho de sua vida. Em
primeiro lugar, porque era, ele próprio, professor universitário de formação, especializado em organizar
cursos e treinamentos. Claro, curso
de sexo era algo inusitado, mas nada
impedia que o formato fosse semelhante ao de tantos outros cursos.
Um carga horária, por exemplo (nada menos que 60 horas: só a prática
leva à perfeição). Diferentes disciplinas: "Carícias preliminares", "Posições", "Iniciação às perversões". O
curso abrangeria aulas teóricas e
práticas. Nas primeiras, os alunos
deveriam ler e discutir obras clássicas: o "Kama Sutra", os livros do
marquês de Sade e outros. Ah, sim, e
assistiriam a numerosos filmes, eróticos e pornôs. Teriam de passar por
uma avaliação prévia, semelhante
àquela feita no famoso relatório Kinsey, realizado nos Estados Unidos.
Tal avaliação estaria a cargo de profissionais do sexo, devidamente treinadas, e que enquadrariam os candidatos em diferentes categorias: "fracasso grotesco", "sofrível", "muito
bom" e "sublime". Nas aulas práticas, os alunos treinariam diferentes
técnicas, que seriam devidamente
registradas em vídeo e depois analisadas. Um convênio com uma produtora de filmes pornôs poderia ser
uma fonte adicional de renda para a
escola, mas isso ficaria para depois.
Encerrado o treinamento, os formandos receberiam certificados que
poderiam mostrar às esposas e namoradas e que representariam uma
credencial no crescente mercado do
sexo explícito.
Havia mais duas razões pelas quais
o curso o interessava. Em primeiro
lugar era, ele próprio, um atleta do
sexo, de cujas qualidades centenas
de mulheres (512 para ser mais exato; tinha disso um minucioso registro) podiam dar testemunho. Ou seja, estava em condições de não apenas doutrinar os alunos mas também de mostrar-lhes ao vivo e a cores como fazer amor com uma mulher. Por último, mas não menos importante, estava desempregado -a
faculdade particular em que trabalhava acabara de demiti-lo, exatamente por ter ele se envolvido com
uma aluna- e precisava urgente de
grana, sobretudo diante da crise que
se avizinhava.
Concluída a elaboração do projeto,
depois tratou de divulgá-lo, através
da Internet e também de discretos
anúncios em jornal. A demanda excedeu de longe as suas expectativas, e
logo teve de recusar inscrições. A namorada (ou seja, a ex-aluna) com
quem agora estava vivendo, vibrou
com a notícia: estava cansada de passar necessidade. Resolveram celebrar com uma orgia monumental.
E aí veio a surpresa, a chocante surpresa. Na cama, e pela primeira vez
em sua vida, ele fracassou. A moça
tentou estimulá-lo de todas as maneiras, mas nada. A impotência, implacável impotência, se apossara dele.
Adiou o início do curso, enquanto
decide o que fazer. Vai esperar um retorno à antiga forma? Vai se limitar às
aulas teóricas? Não sabe. O sexo, como o mercado de ações, é absolutamente imprevisível.
MOACYR SCLIAR escreve, às segundas-feiras, um texto
de ficção baseado em notícias publicadas na Folha
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