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Papai Noel troca casas por abrigos em SC
Após perder tudo na enchente, crianças entram várias vezes na fila para receber presentes no Natal depois da chuva
Ontem, até as 18h30, um abrigo de Ilhota já tinha recebido quatro visitas de Papais Noéis; um deles chegou de helicóptero
PAULO SAMPAIO
ENVIADO ESPECIAL A ITAJAÍ
Soterrada pela lama até os
pedais, a picape Fusca azul-turquesa 1978 está impossibilitada
de circular com Papai Noel pela
região do Braço do Baú, a 20 km
do centro de Ilhota, uma das
mais atingidas pelas chuvas
que atingiram Santa Catarina
em novembro.
"A gente costumava dar uma
volta por aqui com o velhinho e
distribuía bala pras crianças,
elas adoravam. Mas neste ano
não vai dar, olha só", diz, apontando para a sucata, o motorista Alcione Richart, 36, duas filhas, de 15 e 8 anos.
No momento, é mais premente resolver os estragos da
enxurrada dentro de casa. A
marca da enchente na parede
chega a 1,5 m de altura.
Para não perder completamente o espírito natalino, Richart e a mulher, Márcia, penduraram um boneco do Papai
Noel na varanda, sobre alguns
móveis enlameados, uma enorme antena parabólica quebrada
e roupas e sapatos retirados de
armários inundados. Eles perderam quase tudo, mas ainda
assim podem se considerar relativamente sortudos -não
morreu ninguém da família.
Ao redor, tudo é devastação e
todo mundo tem uma história
trágica para contar.
Cleber Alves, 31, que está no
abrigo Cristo Rei, conta o drama de uma amiga que foi esmagada em cima da mãe por uma
viga que desabou na noite de
domingo, 23. A menina, de 26
anos, chorou durante nove horas, "pedindo para morrer". Os
bombeiros retiraram os corpos
horas depois.
A maior parte das casas da região tem uma letra na parede
frontal, feita com lápis de cera
preto. A dos Richart é C. De
acordo com o código estabelecido por geólogos que visitaram
a região, significa que eles só
podem voltar a habitá-la depois
de repararem todos os danos.
Enquanto isso, devem se retirar todos os dias às 19h.
A letra A está em casas consideradas habitáveis; a B, naquelas em que os donos até podem
morar, mas, se chover, devem
sair imediatamente. As com D
estão condenadas -não se pode mais viver ali.
São cerca de 18h30 quando o
quarto Papai Noel do dia chega
ao abrigo Cristo Rei, para revolta de alguns voluntários. "Isso
já está virando palhaçada. Tanta coisa para resolver nesse lugar e já desceu velhinho até de
helicóptero. Eles vão ter que arrumar um lugar só para guardar o excesso de bonecas e carrinhos", diz a socióloga paulista
Rose Ferreira, que está mais
preocupada com o cadastramento dos flagelados.
As crianças se dizem muito
felizes. Em frente ao caminhão
de presentes, de onde sai a voz
da cantora Simone, elas entram
várias vezes na fila. "Nunca
passei um Natal assim", diz a
menina Bruna Tolargo, 9.
A iniciativa de presentear as
crianças é de entidades não-governamentais. "A gente costumava escolher um bairro de
Ilhota para ir com o caminhão.
Este ano, com as inundações,
incluímos o abrigo também",
diz o empresário Juliano Bonardi, o Papai Noel.
À beira da Estrada Geral, que
corta uma extensa região de arrozais destruídos, chama a
atenção o jardim da casa do bananeiro João Richarts, letra C.
Ele acrescentou um Papai
Noel meio descadeirado e um
ventilador com pás azuis a um
time de estátuas caídas na lama, brancas de neve e anõezinhos insepultos.
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