São Paulo, quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

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Papai Noel troca casas por abrigos em SC

Após perder tudo na enchente, crianças entram várias vezes na fila para receber presentes no Natal depois da chuva

Ontem, até as 18h30, um abrigo de Ilhota já tinha recebido quatro visitas de Papais Noéis; um deles chegou de helicóptero

PAULO SAMPAIO
ENVIADO ESPECIAL A ITAJAÍ

Soterrada pela lama até os pedais, a picape Fusca azul-turquesa 1978 está impossibilitada de circular com Papai Noel pela região do Braço do Baú, a 20 km do centro de Ilhota, uma das mais atingidas pelas chuvas que atingiram Santa Catarina em novembro.
"A gente costumava dar uma volta por aqui com o velhinho e distribuía bala pras crianças, elas adoravam. Mas neste ano não vai dar, olha só", diz, apontando para a sucata, o motorista Alcione Richart, 36, duas filhas, de 15 e 8 anos.
No momento, é mais premente resolver os estragos da enxurrada dentro de casa. A marca da enchente na parede chega a 1,5 m de altura.
Para não perder completamente o espírito natalino, Richart e a mulher, Márcia, penduraram um boneco do Papai Noel na varanda, sobre alguns móveis enlameados, uma enorme antena parabólica quebrada e roupas e sapatos retirados de armários inundados. Eles perderam quase tudo, mas ainda assim podem se considerar relativamente sortudos -não morreu ninguém da família.
Ao redor, tudo é devastação e todo mundo tem uma história trágica para contar.
Cleber Alves, 31, que está no abrigo Cristo Rei, conta o drama de uma amiga que foi esmagada em cima da mãe por uma viga que desabou na noite de domingo, 23. A menina, de 26 anos, chorou durante nove horas, "pedindo para morrer". Os bombeiros retiraram os corpos horas depois.
A maior parte das casas da região tem uma letra na parede frontal, feita com lápis de cera preto. A dos Richart é C. De acordo com o código estabelecido por geólogos que visitaram a região, significa que eles só podem voltar a habitá-la depois de repararem todos os danos. Enquanto isso, devem se retirar todos os dias às 19h.
A letra A está em casas consideradas habitáveis; a B, naquelas em que os donos até podem morar, mas, se chover, devem sair imediatamente. As com D estão condenadas -não se pode mais viver ali.
São cerca de 18h30 quando o quarto Papai Noel do dia chega ao abrigo Cristo Rei, para revolta de alguns voluntários. "Isso já está virando palhaçada. Tanta coisa para resolver nesse lugar e já desceu velhinho até de helicóptero. Eles vão ter que arrumar um lugar só para guardar o excesso de bonecas e carrinhos", diz a socióloga paulista Rose Ferreira, que está mais preocupada com o cadastramento dos flagelados.
As crianças se dizem muito felizes. Em frente ao caminhão de presentes, de onde sai a voz da cantora Simone, elas entram várias vezes na fila. "Nunca passei um Natal assim", diz a menina Bruna Tolargo, 9.
A iniciativa de presentear as crianças é de entidades não-governamentais. "A gente costumava escolher um bairro de Ilhota para ir com o caminhão. Este ano, com as inundações, incluímos o abrigo também", diz o empresário Juliano Bonardi, o Papai Noel.
À beira da Estrada Geral, que corta uma extensa região de arrozais destruídos, chama a atenção o jardim da casa do bananeiro João Richarts, letra C.
Ele acrescentou um Papai Noel meio descadeirado e um ventilador com pás azuis a um time de estátuas caídas na lama, brancas de neve e anõezinhos insepultos.


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