São Paulo, domingo, 25 de janeiro de 2004

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SP 450

Ricos e pobres estão insatisfeitos com áreas verdes

DA REPORTAGEM LOCAL

DA REDAÇÃO

O fato de o parque Ibirapuera ser eleito, segundo pesquisa do Datafolha, como maior ícone e local mais bonito da cidade de São Paulo, famosa pela paisagem de concreto dos arranha-céus, diz muito sobre a importância que os paulistanos dão às áreas verdes.
O resultado pode ser indicativo, ainda, de uma carência quantificada em um estudo feito pelo NEV/USP (Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo), em 2001 e 2003, com 700 moradores de diversos bairros da capital e mais 346 pessoas que vivem em três distritos na periferia da zona sul -Jardim Ângela, Jardim São Luís e Capão Redondo.
As conclusões da pesquisa, divulgadas com exclusividade para a Folha, mostram que a porção de paulistanos que se consideram muito satisfeitos com a quantidade e a qualidade dos parques da cidade caiu de 5% para 3% entre 2001 e 2003. No mesmo período, nos bairros periféricos, os muito satisfeitos foram de 2% para 1%.
Por outro lado, o percentual de pessoas que responderam não haver parques públicos na área em que vivem aumentou, na cidade em geral, de 34% para 39%. No extremo sul, ele é maior e permaneceu praticamente estável: foi de 44% para 45%. No meio termo, os que se dizem satisfeitos com os parques existentes aumentaram de forma geral (de 21% para 29%), mas diminuíram na periferia, indo de 24% para 20%.
O grau de insatisfação preocupa quando comparado ao que os entrevistados relataram ser os problemas mais graves do bairro onde vivem: desemprego, uso de drogas, falta do que fazer e alcoolismo, nessa ordem de importância e sem grandes diferenças entre os paulistanos em geral e os que vivem nas regiões mais pobres.
"Está tudo inter-relacionado", resume a psicóloga social Nancy Cardia, coordenadora da pesquisa e do NEV. Ela lembra que não ter o que fazer deriva, por um lado, do desemprego e, por outro, da falta de opções de lazer, cultura e esporte. Já as drogas e o álcool são meios atraentes para tentar fugir de uma realidade que combina excesso de tempo livre e poucas perspectivas de vida.
As principais vítimas ainda são, diz Cardia, crianças e adolescentes, mas o arquiteto Paulo Brazil Esteves Sant'Anna, diretor do Núcleo de Aplicação da Escola da Cidade, lembra que a cidade está envelhecendo e precisa oferecer alternativas de qualidade também ao tempo livre dos idosos.
As opiniões colhidas nos distritos da zona sul, defende Cardia, poderiam ser transpostas, em linhas gerais, para os extremos leste e norte da cidade, já que lá também faltam parques públicos.
"As políticas públicas têm o costume de beneficiar as áreas nobres. O parque Ibirapuera recebe constantes investimentos. Não sou contra teatro nem fonte, mas por que não destinar esses investimentos a parques como o Guarapiranga [no sul da cidade], que está abandonado e em uma área carente?", questiona João Sette Whitaker Ferreira, pesquisador do LabHab (Laboratório de Habitação e Assentamentos Urbanos) da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP.

Verde contra a aridez
E por que mesmo os que não vivem em áreas periféricas estão descontentes com os parques que têm? Cardia e Ferreira defendem que São Paulo se tornou "árida", "inóspita" e "se desumanizou" com a perda das áreas verdes comuns, que cederam lugar aos prédios e às ruas asfaltadas.
Isso se reflete diretamente na degradação da qualidade de vida das pessoas e deteriora a relação que elas passam a ter com a cidade, num círculo vicioso que termina, todos os fins de semana, em congestionamentos nas rodovias que levam ao litoral e ao interior.
Mas não adianta fazer dos parques ilhas de verde em meio a uma cidade com a qual eles não se integram, nem criá-los sem o envolvimento da comunidade, que precisa ajudar a mantê-los, diz Sant'Anna. Até porque parques abandonados viram mato e, em vez de evitar a violência, tornam-se seu palco preferido. (MV E RP)


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