São Paulo, domingo, 25 de janeiro de 2004

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No Ceará, paraísos resistem aos complexos turísticos

KAMILA FERNANDES
DA AGÊNCIA FOLHA

Paraísos tropicais no Ceará permanecem livres da especulação imobiliária, vizinhos a balneários equipados por uma moderna infra-estrutura montada por estrangeiros.
De um lado, suítes com hidromassagem, frigobar, ar-condicionado e TV paga. No município vizinho, praias selvagens, onde é proibido construir hotéis e não existe iluminação pública para não ofuscar o brilho da lua.
A leste do litoral cearense, na praia de Ponta Grossa, no município de Icapuí (a 192 km de Fortaleza), os próprios moradores decidiram impedir que empresários "de fora", brasileiros ou estrangeiros, comprassem terras para construir hotéis.
A decisão foi assinada por toda a comunidade, formada por 60 famílias, há dez anos, e nunca foi descumprida. Existe até mesmo uma punição prevista para casos de descumprimento: aquele que vender sua casa ou seu terreno na praia perde o pedaço de terra a que tem direito no alto de um morro, que fica a cerca de 2 km da beira do mar. Os terrenos são utilizados para o plantio de subsistência.
A medida afasta os invasores, mas não os turistas. "Queremos que o turista venha, aproveite a região e, depois, saia, não fique para tomar o que é nosso", disse Sadraq Crispim da Silva, 44, que possui um restaurante no quintal de sua casa.
Com o chamado turismo comunitário, a renda mais do que dobra, nos períodos de alta estação. Em média, os pescadores conseguem faturar R$ 200 por mês, com a pesca de camarão e lagosta em alto mar. Com os turistas, essa renda chega a R$ 500.
Na comunidade, há apenas uma pousada com três chalés, chamadas de unidades de hospedaria domiciliar. "Dá para conciliar as duas atividades econômicas, a pesca e o turismo, mantendo o nativo como protagonista e dono da infra-estrutura local", disse Eliabe Crispim da Silva, 20, presidente da Associação de Turismo e Meio Ambiente da comunidade.
A 30 km dali, o exemplo oposto. Na praia de Canoa Quebrada, no município de Aracati (160 km de Fortaleza), hotéis, pousadas, restaurantes e bares tomaram conta das ruas e da beira-mar. O "boom" começou nos últimos dez anos, quando aumentou o fluxo de turistas estrangeiros, principalmente da Europa.
As opções são variadas: na rua principal do lugarejo, chamada de Broadway, há boates que tocam rock, reggae e forró, e há restaurantes de comida italiana, mexicana e pratos exóticos.
Diferentes ofertas de hospedagem na praia podem ser encontradas na internet, em sites em inglês e italiano. Para os nativos se adaptarem, são oferecidos cursos gratuitos de idiomas.
"Um grupo de holandeses já veio querer comprar minha barraca três vezes, mas eu não vendo, não", disse Maria Liduína de Souza Silva, 40, uma das últimas nativas que têm barracas na praia.

Paraíso
No litoral oeste do Ceará, o mesmo se repete. De um lado, uma das praias mais famosas do país, Jericoacoara, no município de Jijoca (a 278 km de Fortaleza), conhecida mundialmente pelas belezas naturais, se mantém preservada como Área de Proteção Ambiental desde 1984.
Lá, é proibido construir hotéis e apenas num espaço de 1 km2 é permitido fazer novos prédios, de no máximo 4 m de altura e 250 m2 de área. Luz elétrica só existe dentro das casas. Até o acesso é difícil: só carros com tração conseguem passar por um trecho de 15 km.
No município vizinho, Camocim (a 357 km de Fortaleza), já quase na divisa com o Piauí, italianos construíram um resort, com centro de convenções, piscinas, hidromassagem, TV paga e praia particular. O grupo quer agora a ampliação do aeroporto da cidade, que hoje só permite a aterrissagem de aviões pequenos. A idéia é possibilitar a chegada de vôos diretamente da Europa.


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