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No Ceará, paraísos resistem aos complexos turísticos
KAMILA FERNANDES
DA AGÊNCIA FOLHA
Paraísos tropicais no Ceará permanecem livres da especulação
imobiliária, vizinhos a balneários
equipados por uma moderna infra-estrutura montada por estrangeiros.
De um lado, suítes com hidromassagem, frigobar, ar-condicionado e TV paga. No município vizinho, praias selvagens, onde é
proibido construir hotéis e não
existe iluminação pública para
não ofuscar o brilho da lua.
A leste do litoral cearense, na
praia de Ponta Grossa, no município de Icapuí (a 192 km de Fortaleza), os próprios moradores decidiram impedir que empresários
"de fora", brasileiros ou estrangeiros, comprassem terras para
construir hotéis.
A decisão foi assinada por toda
a comunidade, formada por 60 famílias, há dez anos, e nunca foi
descumprida. Existe até mesmo
uma punição prevista para casos
de descumprimento: aquele que
vender sua casa ou seu terreno na
praia perde o pedaço de terra a
que tem direito no alto de um
morro, que fica a cerca de 2 km da
beira do mar. Os terrenos são utilizados para o plantio de subsistência.
A medida afasta os invasores,
mas não os turistas. "Queremos
que o turista venha, aproveite a
região e, depois, saia, não fique
para tomar o que é nosso", disse
Sadraq Crispim da Silva, 44, que
possui um restaurante no quintal
de sua casa.
Com o chamado turismo comunitário, a renda mais do que dobra, nos períodos de alta estação.
Em média, os pescadores conseguem faturar R$ 200 por mês,
com a pesca de camarão e lagosta
em alto mar. Com os turistas, essa
renda chega a R$ 500.
Na comunidade, há apenas uma
pousada com três chalés, chamadas de unidades de hospedaria
domiciliar. "Dá para conciliar as
duas atividades econômicas, a
pesca e o turismo, mantendo o
nativo como protagonista e dono
da infra-estrutura local", disse
Eliabe Crispim da Silva, 20, presidente da Associação de Turismo e
Meio Ambiente da comunidade.
A 30 km dali, o exemplo oposto.
Na praia de Canoa Quebrada, no
município de Aracati (160 km de
Fortaleza), hotéis, pousadas, restaurantes e bares tomaram conta
das ruas e da beira-mar. O
"boom" começou nos últimos
dez anos, quando aumentou o
fluxo de turistas estrangeiros,
principalmente da Europa.
As opções são variadas: na rua
principal do lugarejo, chamada de
Broadway, há boates que tocam
rock, reggae e forró, e há restaurantes de comida italiana, mexicana e pratos exóticos.
Diferentes ofertas de hospedagem na praia podem ser encontradas na internet, em sites em inglês e italiano. Para os nativos se
adaptarem, são oferecidos cursos
gratuitos de idiomas.
"Um grupo de holandeses já
veio querer comprar minha barraca três vezes, mas eu não vendo,
não", disse Maria Liduína de Souza Silva, 40, uma das últimas nativas que têm barracas na praia.
Paraíso
No litoral oeste do Ceará, o mesmo se repete. De um lado, uma
das praias mais famosas do país,
Jericoacoara, no município de Jijoca (a 278 km de Fortaleza), conhecida mundialmente pelas belezas naturais, se mantém preservada como Área de Proteção Ambiental desde 1984.
Lá, é proibido construir hotéis e
apenas num espaço de 1 km2 é
permitido fazer novos prédios, de
no máximo 4 m de altura e 250 m2
de área. Luz elétrica só existe dentro das casas. Até o acesso é difícil:
só carros com tração conseguem
passar por um trecho de 15 km.
No município vizinho, Camocim (a 357 km de Fortaleza), já
quase na divisa com o Piauí, italianos construíram um resort, com
centro de convenções, piscinas,
hidromassagem, TV paga e praia
particular. O grupo quer agora a
ampliação do aeroporto da cidade, que hoje só permite a aterrissagem de aviões pequenos. A
idéia é possibilitar a chegada de
vôos diretamente da Europa.
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