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São Paulo, terça-feira, 25 de fevereiro de 2003

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Para antropóloga, poder público subestimou capacidade de organização dos criminosos

Pesquisadores vêem acúmulo de erros

MÁRIO MAGALHÃES
DA SUCURSAL DO RIO

O dia de terror no Grande Rio foi possível em virtude de erros e problemas que as políticas de segurança pública acumularam em décadas. O manifesto no qual a facção criminosa CV (Comando Vermelho) supostamente assume a autoria das ações, dando-lhe roupagem social com verborragia esquerdista, é mera retórica sem base política real.
As duas opiniões são comuns a quatro professores de três universidades do Rio consultados pela Folha. Sobram divergências em relação a outros aspectos.
A antropóloga Alba Zaluar, do Instituto de Medicina Social da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) e até julho assessora de Segurança Participativa da Prefeitura do Rio, afirma que o poder público subestimou a capacidade dos ""comandos" de ""se manterem e se reproduzirem" dentro da prisão.
Para a socióloga Julita Lemgruber, há uma ""ausência vergonhosa" do Estado em comunidades que acabam tomadas pelo tráfico de drogas. Chefe do sistema penitenciário de 1991 a 1994 e ouvidora de Polícia de 1999 a 2000, ela dirige o Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes.
O sociólogo Michel Misse, coordenador do Núcleo de Estudos da Cidadania, Conflito e Violência Urbana da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), diz que ""num país cheio de problemas, a área criminal foi relegada a segundo plano".
O antropólogo Gilberto Velho, do Museu Nacional da UFRJ, aponta um problema suplementar: ""Saímos do regime militar [1964-85] e temos dificuldade de lidar com a idéia de segurança". Segundo Julita Lemgruber, o que agrava a situação é o enfrentamento aberto, com o panfleto. "Ainda não haviam formalizado reivindicações e ameaças."
Para Velho, ""perdeu-se o controle da situação. O Rio e a Baixada Fluminense são um caso limite". Misse vê as ações como indício de ""isolamento" do tráfico. ""A violência deles não vai acuar a cidade; a reação será maior."
Lemgruber acha provável que os traficantes tenham reagido a dificuldades para operar sem restrições na prisão. Zaluar não acredita na hipótese. Velho suspeita de intenção de ""demonstrar força" nos eventos de ontem.
Zaluar aposta que o avanço das organizações do tráfico ""vai contaminar outros Estados". Ela destaca que a carta-manifesto denuncia a violência policial nas favelas, mas omite o terror que a guerra do tráfico impõe. "Alguns colegas [de academia] e movimentos como o hip-hop só condenam a violência policial."
Misse chama a atenção para o retorno do CV ao discurso político do início do grupo, na virada dos anos 70 para os 80.
Secretário de Segurança no governo Fernando Henrique Cardoso, José Vicente da Silva Filho diagnostica um fator a mais: ""O Rio teve duas trocas traumáticas de governo em menos de um ano. Não houve uma transição pacífica e a descontinuidade na cúpula e os atritos causam paralisia na polícia. O tráfico percebe muito bem esses sinais. Essa paralisia abriu uma avenida para o tráfico agir".


Colaborou MARIO CESAR CARVALHO, da Reportagem Local


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