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JUSTIÇA
O pastor Oséas de Campos, solto desde agosto, cumpria pena quando enviou, por carta, pedido de habeas corpus ao STF
Recurso contra lei de hediondos foi escrito na cadeia
DA REPORTAGEM LOCAL
DA AGÊNCIA FOLHA
O pedido de habeas corpus que
pode mudar a jurisprudência sobre a progressão de regime de pena para condenados por crimes
hediondos no país foi escrito a
mão pelo próprio condenado,
que já está em liberdade desde
agosto passado, e enviado ao STF
(Supremo Tribunal Federal) por
carta, com selo usado que foi reaproveitado pelo detento.
Anteontem, o plenário do STF
considerou, por seis votos contra
cinco, que é inconstitucional não
conceder a progressão de pena
(do regime fechado para o semi-aberto, por exemplo) para os presos condenados por crimes hediondos ou equiparados, como o
homicídio doloso qualificado, o
estupro, o atentado violento ao
pudor e o tráfico de drogas.
Os ministros votaram um pedido feito pelo pastor evangélico
Oséas de Campos, 47, condenado
pelo crime de atentado violento
ao pudor contra crianças em
Campos do Jordão (167 km de
SP), em 2000. No habeas corpus,
Campos apontava a inconstitucionalidade da proibição.
Outros tribunais tinham concedido o benefício para outros presos, também usando o mesmo argumento, mas a decisão do plenário do STF -mais alta corte da
Justiça brasileira- criou um precedente que deve gerar mais decisões favoráveis aos pedidos de
progressão de regime.
"Diziam que eu não iria conseguir nada. Hoje, essas pessoas têm
de engolir que eu estava certo",
afirmou Campos. "A sociedade
fala do preso como se ele fosse um
monstro. Mas monstro é quem
criou a lei de crimes hediondos."
A votação pelo STF não mudou
a situação do pastor evangélico.
Ele está em liberdade desde agosto do ano passado, depois de
cumprir quase cinco anos de prisão pelo crime do qual se diz inocente. Campos, que escreveu vários pedidos de habeas corpus
quando ainda estava preso, conseguiu reduzir a sua pena -começou com 18 anos de prisão e
baixou para oito anos.
Como trabalhava na cadeia, o
pastor conseguiu diminuir sua
pena e, ao completar dois terços
da condenação, obteve a liberdade condicional.
"Essa decisão [do STF] não serve para mim, mas serve de incentivo para outros presos. Se uma
pessoa como eu, que não é formada em direito, conseguiu reformar uma questão no Supremo,
por que os juízes não conseguem
fazer a parte deles?", questionou.
"Eu usei palavras simples nos pedidos, mas só pedi o que estava na
Constituição."
Apelidado de "HC" -habeas
corpus- pelos outros presos,
Campos pagava com maços de cigarro para conseguir ler livros e
sentenças judiciais. Foi assim que
conseguiu petições jogadas no lixo por advogados que passavam
pela prisão onde estava. Conseguiu uma Constituição, também
encontrada no lixo.
O Código Penal comentado ele
obteve um novo, ao escrever uma
carta ao autor. Os selos para as
cartas eram reaproveitados. Ele
disse que colocava o selo na testa
e, com o suor, conseguia tirar a
marca do carimbo dos Correios.
Hoje, o pastor e cantor vive do
dinheiro da venda de seus CDs de
música evangélica e de pregar em
pequenas igrejas. "O próximo
passo é provar a minha inocência", disse Campos. Ele entrou
com um recurso no Tribunal de
Justiça de São Paulo para tentar
anular a sua condenação.
A família de três das quatro
crianças que teriam sido molestadas sexualmente pelo pastor
evangélico criticou a decisão do
STF e afirmou que Campos deveria voltar para a prisão.
"Eu tinha apagado isso (o crime) totalmente da minha memória. Achei que nunca mais iria ouvir falar sobre esse pesadelo. Ele
tinha que ser bem punido pelo
crime que cometeu contra os
meus filhos. Ele não pode sair da
cadeia antes de cumprir toda a pena, isso é uma injustiça", disse a
mãe das três crianças.
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