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Sobre como entrevistar um prefeito negro
MARILENE FELINTO
da Equipe de Articulistas
E agora, prefeito? O que o
senhor tem achado dessa atmosfera de ``E agora, José?''.
Ã-hã, é. Drummond, do poema
``José'', que diz assim: ``E agora, José? A festa acabou, a luz
apagou, o povo sumiu....''. O
senhor? É? Mas o seu caso se
agrava ou se suaviza pelo fato
de o senhor ser negro?
Ã? Hum-hum. É, o senhor
disse, é verdade, que seria prefeito de todas as raças. Acontece que o senhor é negro. O senhor acha que vai receber qual
dos dois tipos de tratamento: à
la O.J. Simpson ou o outro, como o que deram àquele prefeito americano negro, Marion
Barry, que se envolveu com
drogas e foi condenado?
Não, ninguém está incriminando o senhor de antemão.
Só que os fatos estão aí: a Prefeitura de São Paulo, quando o
senhor era secretário de Finanças, fez lista irregular de
dívidas judiciais, com suposta
motivação dolosa, e valendo-se de interpretações elásticas da Constituição.
Como? Sim, claro, o senhor
vai explicar tudo à CPI. Mas
aqui eu só quero saber se o senhor, um negro, acha de
bom-tom servir de escudo a
um branco, Paulo Maluf?
Não são? Hum. Ninguém está
dizendo que o senhor ou ele
são culpados de antemão. Mas
ele era seu superior na época.
O Senado? Sei. E o Banco Central, que autorizaram as operações, é verdade. Mas ministros do Supremo já disseram
que essas aprovações não retiram o caráter ilegal do procedimento da prefeitura paulista. Ah, é. Sei. Hum-hum. Ã-hã.
Mas o senhor acha que seu
caso se agrava porque o senhor
é negro? Ããã. Como eu já lhe
disse, houve o caso do prefeito
americano... Ã? Como foi? Teve jornal aqui que deu em
manchete: ``Prefeito negro
americano condenado por uso
de drogas'', incluindo o adjetivo ``negro''. Como? Ah, sim.
Não estamos, não estamos
nos Estados Unidos, claro.
Mas, por isso mesmo, não é
pior, prefeito? Aqui é todo
mundo mulato, misturado. O
senhor diria que alguém seria
poupado aqui só por ser negro
e rico? Foi assim com o O.J.
O senhor veja o caso de Pelé,
a quem foi negado o título de
cidadão de Brasília porque ele
não quis reconhecer a filha,
que é, aliás, a cara dele. Por falar em família, o senhor considera explicado o caso do aluguel do carro à sua esposa?
Hein? Ah. Hum-hum. Ããã.
O senhor acha justo o Brasil
tratar negros e brancos como
iguais nessa hora? (Afinal,
houve Collor e PC, brancos).
Ou o senhor acha que exigem
mais correção pública de negros, exatamente por serem
negros? Por que o senhor está
servindo de escudo para Maluf? O senhor acha que ele,
branco, faria a mesma coisa
pelo senhor, um negro? Hum.
O senhor não acha que dá
entrevistas demais para dizer
tão pouco? O senhor lembra o
José do poema, prefeito: que
``(...)Está sem discurso/(...)Sozinho no escuro(...)/Sem cavalo preto/que fuja a galope(...)''.
O senhor é da opinião de que
negro tem que dar exemplo,
para reforçar a auto-estima
das crianças negras? O senhor
acha que vai servir de exemplo
de auto-estima para as crianças negras? O senhor acha o
quê, prefeito? Hein? Ã-hã. Ah,
sim. Hum-hum. Ããã. Sei.
E-mail mfelinto@uol.com.br
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