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OPINIÃO
Direitos humanos indivisíveis
FLÁVIA PIOVESAN
Anualmente, no mês de fevereiro, o Departamento de Estado
norte-americano divulga relatório
sobre a situação dos direitos humanos no mundo. No último dia
4, de forma surpreendente e inédita, a China apresentou relatório
sobre a política dos EUA quanto à
matéria, afirmando que a proteção
dos direitos humanos nesse país é
muito limitada, "não incluindo
direito a roupas, alimentação,
abrigos, educação, trabalho, descanso".
Esse episódio propõe duas questões centrais: a) a "globalização"
dos direitos humanos e b) o alcance desses direitos.
Quanto à globalização dos direitos humanos, implica a concepção
(enunciada pela Declaração de
1948 a reiterada pela Declaração de
Viena em 1993) de que esses direitos são universais, não devendo
sua proteção se reduzir ao domínio reservado dos Estados.
Essa concepção viabiliza as sistemáticas internacionais de controle
"vertical" (organismos internacionais/Estado) e "horizontal"
(Estado-Estado), no que se refere
ao respeito aos direitos fundamentais -e o caso EUA/China reflete
o último controle.
Além dessa reflexão, o episódio
envolve o debate do alcance dos
direitos humanos. Os dois países
apresentam discursos reducionistas acerca desses direitos, primando ora por um discurso liberal
(EUA), ora social (China).
Contudo a plenitude dos direitos
fundamentais só pode ser alcançada com a observância dos direitos
civis e políticos, como também
dos direitos sociais, econômicos e
culturais. Sem igualdade, não há
liberdade, e sem liberdade não há
igualdade efetiva.
No Brasil, a década de 1990 registrou um avanço na política dos direitos humanos, seja com relação à
globalização desses direitos (o
Brasil finalmente passou a ratificar
os principais instrumentos internacionais sobre a matéria), seja
com relação à indivisibilidade desses direitos, com um significativo
avanço (exemplos: a indenização
aos familiares dos desaparecidos
políticos; o Plano Nacional de Direitos Humanos; os projetos de lei
que instituem a cota mínima de
30% às mulheres nas candidaturas
ao Legislativo e o reconhecimento
da parceria civil entre pessoas do
mesmo sexo).
O mesmo, todavia, não ocorreu
no plano dos direitos sociais, sendo urgente um sério e comprometido debate sobre políticas públicas. Que o episódio China/EUA
possa oferecer subsídios para o repensar da agenda nacional, com a
crença de que os direitos humanos
são universais, interdependentes e
inter-relacionados.
Flávia Piovesan, 28, procuradora do Estado, é
coordenadora do grupo de trabalho de direitos
humanos da Procuradoria Geral do Estado e
professora da Faculdade de Direito da PUC-SP.
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