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EDUCAÇÃO
Afirmação é de Petronilha Gonçalves e Silva, primeira negra a ocupar uma vaga no CNE, conselho que auxilia o ministério
"Racismo expulsa criança negra da escola"
ANTÔNIO GOIS
DA SUCURSAL DO RIO
A professora Petronilha Beatriz
Gonçalves e Silva, 59, será a primeira negra a ocupar uma vaga
no Conselho Nacional de Educação (CNE). Sua indicação foi oficializada no "Diário Oficial" da
União na segunda-feira passada
pelo ministro Paulo Renato Souza
(Educação) e por FHC.
A escolha de uma negra para
uma das 24 cadeiras não se deu
por acaso. Fazia parte de uma
promessa de Paulo Renato de incluir um representante dos negros e dos índios no conselho. A
representante dos índios é a professora Francisca Novantino Pinto de Angelo.
No caso de Petronilha, pesou o
fato de sua produção acadêmica
ter como foco a presença do negro
na educação brasileira. Para ela,
as desigualdades raciais na educação permanecem não por causa
da falta de acesso ao ensino básico, mas pela ausência de uma política que estimule a permanência
do negro na sala de aula.
Além de fatores como a necessidade de trabalhar mais cedo para
ajudar a família, Petronilha cita o
racismo e a falta de imagens do
negro nos livros didáticos como
elementos que expulsam a criança negra da escola.
Segundo ela, o problema é de
falta de conhecimento real da história dos negros no Brasil. Uma
história que começa, como lembra, na África, e não na chegada
dos escravos em solo brasileiro.
Soluções para esses problemas,
diz a professora, devem ser discutidas no CNE, órgão que tem a
função de auxiliar o MEC na execução e elaboração de normas e
políticas públicas para o ensino.
A história dos negros foi ensinada para Petronilha por sua família, e não na escola onde estudou,
em Porto Alegre (RS). Ela conta
que suas avós, mesmo negras,
chegaram ao nível máximo de escolarização permitido a uma mulher no início do século passado.
Petronilha seguiu pelo mesmo
caminho. Após seu doutorado em
ciências humanas pela Universidade Federal do Rio Grande do
Sul, fez pós-doutorado em teoria
da educação na Universidade da
África do Sul, em Pretória, onde
foi professora visitante. Hoje, ela
participa da coordenação do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros
da UFSCar (Universidade Federal
de São Carlos). Veja os principais
trechos de sua entrevista à Folha.
Folha - A escola básica está praticamente universalizada no Brasil,
com quase todas as crianças tendo
acesso a ela. No entanto a impressão é que a diferença entre negros
e brancos não diminui. O que está
errado?
Petronilha Beatriz Gonçalves e
Silva - As escolas estão recebendo
as crianças negras em suas salas
iniciais. Até a 4ª série do ensino
fundamental, o atendimento é até
razoável. O problema é que não
há políticas públicas para garantir
a permanência dessas crianças na
escola. Uma das razões para a evasão é que as famílias precisam de
que os filhos ajudem no orçamento, e muitas crianças negras têm
de começar a trabalhar.
Além disso, inúmeros estudos
têm mostrado que o racismo expulsa a criança da escola. Um dos
primeiros foi feito em 1985 pelo
professor Luiz Roberto Gonçalves, da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), e falava
sobre o silêncio do professor. Ele
mostrava que a criança negra sofre discriminação de outros colegas, mas o professor não sabe como lidar com isso ou não vê.
Folha - Esse é um problema só do
professor?
Petronilha - Não. Há uma ausência quase absoluta de imagens da
população negra nas escolas. A
gente vê figuras e cartazes da classe média, mas não vemos do pobre, do negro, do gordo. No caso
do povo negro, a história no Brasil
não é sequer devidamente apresentada. As imagens de negros em
livros didáticos aparecem quase
sempre de forma negativa. A forma depreciativa com que se trata
a população negra faz com que o
estudante se afaste da escola e não
se identifique com ela.
Folha - Mas a história dos negros
brasileiros é também uma história
de sofrimento. Querer apresentar
outra versão não seria florear um
fato histórico?
Petronilha - Desde "Casa Grande e Senzala" [de Gilberto Freyre,
publicado em 1933" essa história
foi floreada. Nós nos referimos
aos africanos que vieram para o
Brasil apenas como escravos. Mas
as pessoas não se escravizaram,
elas foram escravizadas. Foram
trazidas para cá, mas antes disso
tinham uma história.
Há uma experiência interessante, na década de 80 na Bahia, de
formação de professores de história da África pré-colonial. Há
muitas coisas que a gente desconhece. Eu, pelo menos, nunca estudei na escola que havia reinos
africanos, como o do Congo e do
Zimbábue. Quando falamos de
ruínas de antigas civilizações, falamos de Grécia e Roma.
Ignora-se que já no século 13 havia três grandes universidades islâmicas na região onde hoje está
Mali [África subsaariana". Os negros também descendem de gente
educada, com cultura. Outra coisa
que não se fala é que os negros escravizados eram trazidos de regiões onde tinham experiência
agrícola, ou seja, não eram mão-de-obra desqualificada. O que falta é conhecimento real da história. Quem não se orgulha da história de seus antepassados que
trouxeram desenvolvimento?
Folha - O que o Conselho Nacional
de Educação e o MEC podem fazer
para atacar esse problema?
Petronilha - A formação de profissionais que conheçam a história dos negros talvez seja uma política que o CNE possa vir a imprimir. É preciso encontrar esses estudos e colocá-los sob a forma de
material didático.
Nosso objetivo é que todos tenham direito a ingressar nas escolas e a realizar esses estudos. Além
da formação dos professores, estamos [na UFSCar" começando
neste ano com um projeto de curso pré-vestibular. Nosso objetivo
é que, além da preparação, ele receba informação que lhe dê segurança para prosseguir na vida
universitária, sabendo lidar e
combater discriminações, seguro
da história de seu povo.
Folha - A história dos negros deveria ser incluída no currículo escolar apenas para trabalhar a auto-estima dessas crianças?
Petronilha - A questão racial não
é exclusiva dos negros. Ela é da
população brasileira. Não adianta
apoiar e fortalecer a identidade
das crianças negras se a branca
não repensar suas posições. Ninguém diz para o filho que ele deve
discriminar o negro, mas a forma
como se trata o empregado, as
piadas, os ditados e outros gestos
influem na educação.
Folha - A senhora é a favor das cotas para negros em universidades?
Petronilha - Sou absolutamente
a favor. O movimento negro costuma dizer que sempre existiram
cotas no Brasil. Elas beneficiavam
brancos e descendentes de europeus, que sempre tiveram posição
garantida nas universidades.
Folha - A entrada de negros sem
que seja pelo critério do mérito não
é um golpe na auto-estima dos próprios estudantes que se beneficiariam das cotas?
Petronilha - Ninguém está dizendo que eles ingressarão na
universidade sem qualificação. O
sistema de cotas que sugerimos é
o que leve em conta a aprovação
do estudante no vestibular. Em
95, fiz parte de um grupo que estudou a adoção desse sistema na
USP (Universidade de São Paulo).
As cotas que propusemos beneficiariam os estudantes que fossem
aprovados no vestibular, mas que
não conseguissem a classificação
para uma vaga.
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