São Paulo, domingo, 25 de abril de 2004

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HABITAÇÃO

Ex-líderes de grupos de moradia ocupam cargos de confiança nas gestões Lula e Marta e aprovam tática de invasão

Sem-teto têm aliados em governo petista

ALENCAR IZIDORO
DA REPORTAGEM LOCAL

Evaniza Rodrigues, 34, Raimundo Bonfim, 40, e Benedito Roberto Barbosa, 43, perderam a conta de quantas invasões de prédios públicos e particulares já chegaram a participar -na maioria das vezes, na condição de líderes dos grupos de sem-teto- nas duas últimas décadas em São Paulo.
Eles estiveram na linha de frente das maiores invasões já feitas na capital paulista, incluindo a de outubro de 1999, quando 6.100 sem-teto entraram em seis imóveis -entre eles a área do edifício do TRT (Tribunal Regional do Trabalho) na Barra Funda, cuja obra, até então inacabada, ficou nacionalmente conhecida pelo desvio de R$ 169,5 milhões.
Na madrugada da última segunda-feira, os três tiveram de acompanhar "de camarote" as sete tentativas de invasão em São Paulo, incluindo a de um quartel desativado da PM. Agora eles não podem mais participar -ao menos diretamente- das ações, mas continuam aprovando essa "ferramenta de reivindicação".
Os três são aliados dos sem-teto nos governos federal e municipal. Ou, na visão de alguns, aliados dos governos petistas de Lula e Marta Suplicy entre os sem-teto.
Evaniza Rodrigues, ex-coordenadora da UMM (União dos Movimentos de Moradia), ocupa hoje a função de chefe-de-gabinete da Secretaria Nacional de Programas Urbanos do Ministério das Cidades. Na quinta e na sexta-feira da semana retrasada, esteve reunida com os sem-teto que fizeram as invasões dias depois. Na pauta de discussão, diz Rodrigues, assuntos de governo.
"Fazemos questão de não saber [das invasões programadas]", afirma. "Esses instrumentos são legítimos. As ocupações colocam a questão da habitação não apenas ao governo, mas à sociedade. Elas são uma forma de pressão, de denúncia da situação da moradia, que é grave", completa ela.
A ex-líder sem teto diz que as invasões "não atrapalham nem ajudam" a administração Lula. No ministério onde ela trabalha, entretanto, há quem avalie que elas possam acelerar um projeto que a própria pasta defende -sob resistência da equipe econômica- e que esteve no centro das reivindicações dos sem-teto.
Trata-se da criação de um conselho e de um fundo nacional de moradia, cujos recursos serviriam como garantia para a população de baixa renda que quisesse obter financiamento bancário para a compra da casa própria.
"Ainda não se chegou a um projeto consensuado entre todos os atores", afirma Rodrigues, referindo-se às divergências entre as diferentes alas da gestão Lula para a colocação do projeto em prática.
Embora também estivesse no centro das críticas dos sem-teto, a gestão Lula foi poupada dos efeitos diretos dos protestos. Apenas prédios do Estado, sob controle de Geraldo Alckmin (PSDB), foram invadidos. A reclamação era a mesma: um fundo e um conselho de habitação, mas estadual.
Quem escapou das críticas dos sem-teto foi a administração Marta Suplicy (PT), que já criou um fundo e um conselho municipal, embora esteja longe de ser unanimidade entre os grupos. É nesse governo, como assessores de confiança da Secretaria da Habitação, que trabalham, há mais de três anos, Raimundo Bonfim e Benedito Roberto Barbosa.
Os dois ainda fazem parte da direção nacional da CMP (Central de Movimentos Populares), uma das quatro entidades que lideraram a última onda de invasões.
Bonfim está no terceiro ano da faculdade de direito. Mora em um apartamento da Cohab ao lado da favela Heliópolis, imóvel conquistado pela mulher depois de uma invasão. Barbosa é advogado e atua com os sem-teto há 24 anos.
Ambos descartam a possibilidade de a gestão Marta ter sido poupada em razão de suas ligações com as entidades. "O movimento de moradia tem total autonomia", diz Bonfim. Hoje eles avaliam que a prefeitura não tem como resolver sozinha os problemas de habitação. "A máquina pública não está azeitada para resolver de forma rápida", afirma Barbosa.


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