São Paulo, domingo, 25 de abril de 2004

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ENTREVISTA

ONGs da área de Aids apontam ação desmobilizadora do governo

AURELIANO BIANCARELLI
ENVIADO ESPECIAL A PORTO ALEGRE

Ativistas de frentes ligadas à Aids e a outros movimentos afirmam que o governo petista está desmobilizando as várias comissões e grupos de trabalho que se dedicam ao controle social, especialmente na área da saúde.
"O governo está falando em reconstruir as lideranças, como se isso coubesse a ele e não à sociedade", disse a médica Fátima Oliveira, secretária executiva da Rede Nacional Feminista de Saúde.
A afirmação foi feita durante um encontro sobre Aids entre mulheres promovido na última semana em Porto Alegre (RS) pelo Instituto Patrícia Galvão, Comunicação e Mídia.
A assessoria do Ministério da Saúde informou que vem ampliando as possibilidades de controle social e que o ministro Humberto Costa participou de praticamente todos as reuniões do Conselho Nacional de Saúde (CNS).
O CNS é a mais alta instância deliberativa do ministério e reúne representantes de secretarias e da sociedade civil.
Para os assessores do ministro, o entendimento é que há um excesso de grupos e comissões e o que está havendo é uma reordenação desses grupos.
Abaixo, trechos da entrevista de Fátima Oliveira, concedida em Porto Alegre.

 

Folha - Essa suposta quebra de sintonia estaria ocorrendo apenas na Aids ou igualmente em outros setores da saúde?
Fátima Oliveira
- Em várias outras frentes, mas na Aids essa interferência é mais clara porque durante anos governo e sociedade construíram um caminho juntos. Tudo o que foi conseguido nessa área, do acesso universal aos medicamentos às campanhas, foi resultado da inter-relação das duas partes. Esse trabalho conjunto entre sociedade civil e governo era visto como um exemplo para todo o setor de saúde, era uma referência política consolidada e respeitada. Mas o que estamos assistindo agora é a extinção desses espaços de participação sem que nada seja colocado no lugar.

Folha - O que vocês, de ONGs, acreditam que esteja acontecendo?
Oliveira
- O que eu percebo é que todos que chegam a novos postos querem fazer coisas novas, sem avaliar se as estruturas antigas e em vigor estão funcionando. Chegaram a dizer (gente do ministério) que na área da Aids as estruturas estavam viciadas e que era preciso reconstruir as lideranças. Mas não é o governo que deve dizer isso, somos nós, a sociedade. Essa perspectiva de intervenção em cima dos movimentos sociais nos preocupa muito, pois é uma prática autoritária que não esperávamos deste governo. É uma ambigüidade.

Folha - Vocês acham que o governo quer ter maior poder sobre os mecanismos de controle social?
Oliveira
- Para nós, pelo menos da Rede Nacional Feminista, essas atitudes do governo ainda não ficaram claras. Não conseguimos ver qual o objetivo ou a vantagem desse desmantelamento. Não há nenhum avanço em quebrar a inter-relação afinada que vínhamos tendo sem colocar nada no lugar.

Folha - A senhora sabe dizer qual grupo ou comissão foi extinto?
Oliveira -
Na semana passada, o Conselho Nacional de Saúde extinguiu praticamente todas as comissões e grupos de trabalho. Um deles foi a Cismu, Comissão Intersetorial de Saúde da Mulher, onde governo e sociedade civil atuavam juntos. Dentro da Coordenação Nacional de Aids foi extinta a Comissão Mulher e Aids.
Não há dúvida de que os movimentos, não só os de Aids e de mulher, estão perdendo com isso. É possível que esse desmantelamento seja apenas um congelamento num momento de passagem [por exemplo, Mario Scheffer, representante dos usuários no CNS, diz que depois que o atual governo assumiu a Agência Nacional de Saúde Suplementar nenhuma reunião da Câmara Suplementar de Saúde foi realizada].
A Rede Feminista reúne dezenas de instituições, ONGs, centros universitários, que se preocupam com a saúde da mulher. Todos estamos nos sentindo ameaçados e queremos que as autoridades saibam disso.


AURELIANO BIANCARELLI viajou a Porto Alegre a convite do Instituto Patrícia Galvão


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