São Paulo, sábado, 25 de abril de 1998

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SECA
Direção do movimento diz que ataques a depósitos e supermercados serão generalizados se governo não resolver a situação
MST vai incentivar saques no Nordeste

Pedro Luís/Jornal do Commercio
Maria do Carmo e família lavam folha de palmeira que vão comer no município de Tabira, sertão do Pajeú (PE)


PATRÍCIA ANDRADE
da Reportagem Local

O MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) vai incentivar os saques a depósitos de alimentos e a supermercados no Nordeste do país.
Os dirigentes do movimento entregaram à Sudene (Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste) uma pauta de reivindicações com propostas para o combate à seca e dizem que, se os pedidos não forem atendidos até o dia 30 deste mês, vão partir para saques generalizados na região.
A participação em saques foi decidida em uma reunião da direção nacional do MST em São Paulo, no dia 17 de abril, data do aniversário de dois anos do massacre de Eldorado de Carajás.
"Saquear para matar a fome não é pecado. No Nordeste, onde a situação está crítica, o MST tem apoiado a luta dos agricultores", disse José Rainha Júnior, líder do movimento na região do Pontal do Paranapanema (oeste de SP).
˛"A situação está insustentável, é a miséria que está em jogo. As pessoas que estão saqueando querem trabalho. Nós defendemos que os trabalhadores façam vigília em frente aos supermercados do país", afirma Diolinda Alves de Souza, mulher de Rainha.
Segundo Jaime Amorim, representante da direção nacional do MST em Pernambuco, entre as reivindicações apresentadas à Sudene está a abertura de crédito especial para pequenos agricultores prejudicados pela seca.
˛A lista tem outros dois itens: o fornecimento de alimentação e água para as comunidades do sertão nordestino e a desapropriação de áreas férteis como as do cacau, na Bahia, de cana-de-açúcar, em Alagoas e Pernambuco, e as das margens do rio São Francisco.
Desde março, o MST tem dado suporte aos agricultores do sertão do Ceará nas ações de saque aos depósitos de merenda escolar e de cestas básicas. "Por enquanto, os saques estão localizados, mas, se o governo não fizer nada, vamos partir com tudo. É um absurdo as pessoas estarem morrendo de fome em pleno final do século 20", afirma Jaime Amorim.
Preocupado com a repercussão negativa dessas investidas, o governador do Ceará, Tasso Jereissati (PSDB), tem orientado os prefeitos das cidades castigadas pela seca a não entrar em confronto com os agricultores e com os integrantes do MST. Em alguns casos, a Polícia Federal é acionada para monitorar a movimentação.
Nesses dois últimos meses, ocorreram saques em 13 cidades do sertão do Ceará. Os agricultores, em algumas áreas do Estado, perderam até 90% da produção de grãos. No município de Aurora, localizado na região do Cariri (sul do Ceará), 500 trabalhadores rurais saquearam o depósito de merenda escolar no final de março.
Segundo a prefeita Maria Leonor Macedo (PSDB), quase todo o estoque se perdeu e o prejuízo foi de R$ 8 mil. "Não reagimos porque sabemos que o problema é grave. Mas acho que, antes, eles poderiam ter negociado com a gente. Saque é caso de polícia."
Para evitar o acirramento dos ânimos, Tasso se reuniu há duas semanas em Brasília com o ministro da Reforma Agrária, Raul Jungmann, e expôs o problema. Disse a Jungmann temer que o MST use a seca e a fome dos agricultores eleitoralmente.
O governo do Estado pediu a liberação de R$ 13 milhões pelo Incra para obras de infra-estrutura em 200 assentamentos do MST no Ceará. Com essa medida, o governador espera que haja uma trégua. A construção de casas, poços e armazéns nos assentamentos vai ser feita em mutirão.
"Há uma tensão política que precisa ser desfeita. Sabemos que existe a crise, que houve perda de grãos. Mas o MST está se aproveitando disso para faturar", afirma o secretário de desenvolvimento rural do Estado, Pedro Sisnando.




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