São Paulo, sábado, 25 de abril de 1998

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LETRAS JURÍDICAS
Ensino: jurídico?

WALTER CENEVIVA
da equipe de articulistas

O poeta Heinrich Heine (1797-1856), inspirado autor do "Livro das Canções" e uma das grandes figuras da literatura alemã no século passado, louvava a sorte dos antigos romanos por não terem sido obrigados a estudar latim, pois já nasciam sabendo. Se lhes houvessem imposto a obrigação de estudá-lo, acrescentava o vate, não teriam tido tempo de conquistar o mundo. Heine, além de admirável poeta, tinha grande habilidade na sátira e no jornalismo verrinoso, de modo que o desamor revelado pelo latim deve ser compreendido no contexto de sua vida.
Lembrei-me de Heine porque, de tempos em tempos, se volta a falar na inclusão obrigatória do latim na área jurídica, reclamando nova avaliação do ensino brasileiro do direito e de seus currículos.
Em minhas experiências como professor na Faculdade Paulista de Direito da PUC/SP e de membro da Comissão do Ensino Jurídico do Conselho Federal da OAB, ao lado de mestres de grande qualidade, confirmei a impressão geral sobre o mau ensino do direito, no Brasil, ressalvadas umas poucas exceções, para o que influem todos os segmentos da educação formal, desde o primário até a pós-graduação universitária. O ensino ruim fechou o círculo. Maus alunos geraram maus professores que geraram maus alunos, os quais chegam às faculdades sem conhecimentos básicos de humanidades, sem intimidade com os fatos de sua época e sem saberem usar o idioma português.
O direito sofre de uma agravante séria. Para seu modelo tradicional, a facilidade de instalar escolas dedicadas à ciência jurídica compreende salas e carteiras. Para professores sempre há advogados, juízes, promotores e delegados disponíveis. Os processos clássicos, porém, são insuficientes. A superação de suas deficiências exige o aproveitamento das alternativas criadas pelos modernos meios de comunicação. Cabe louvar, nesse campo, iniciativas como a da Escola Nacional da Magistratura, dirigida pelo ministro Salvio de Figueiredo Teixeira, do Superior Tribunal de Justiça. Lá se passou a dar ênfase a investimento no ensino à distância, por meio da televisão.
Os passos iniciais no rumo da pós-graduação virtual (especialização, mestrado e doutorado) foram dados. O debate de temas culturais e institucionais vinculados ao Poder Judiciário, por meio da televisão, está sendo implementado com a coordenação do magistrado José Renato Nalini.
Há, também, projeto elaborado pelo juiz Carlos Fernando Mathias, com o plano de realização do programa de pós-graduação à distância para integrantes da magistratura. O objetivo consiste em propiciar ao público-alvo uma pós-graduação acadêmica que supere a impossibilidade prática de cursar a pós-graduação convencional. Será viabilizado, se for possível a utilização eficaz da Internet, da TV e das Infovias.
São projetos ousados, dignos de serem enfrentados. No plano do ensino tradicional seria conveniente desenvolver o sistema estimulador do aprimoramento das escolas existentes. Conferidos os concursos para carreiras públicas e para o Exame de Ordem, é possível saber quais aquelas em que o ensino e a docência são levados a sério. A Comissão do Ensino Jurídico da OAB procedeu a levantamentos cuidadosos, que encontraram eco no Ministério da Educação. Há outros levantamentos no mesmo sentido, como os possibilitados pelo provão. Sem prejuízo da autonomia universitária, mas até para garantia dela, a conscientização de que o ensino desqualificado é estelionato social, cuja vítima é a cidadania nacional, será necessária para tornar possível a reversão do quadro atual.



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