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DATA VENIA
Presos aidéticos
AURY LOPES JUNIOR
O sistema penitenciário brasileiro está em colapso, fruto de uma
sucessão de erros que culminou
por retrocedê-lo à Idade Média. As
cruéis e desumanas condições a
que são submetidos os reclusos
são fato notório. Isso gera certa
dose de indiferença; pouco é feito
para minorar esse sério problema.
A pena de prisão está "falida", e
é uníssona a opinião, na comunidade jurídica e na sociedade, de
que aplicar penas alternativas
(multa, prestação de serviços etc.)
deve ser prioridade. Infelizmente,
ainda não é essa a nossa realidade
jurídica e legislativa. As possibilidades legais são limitadas e as sentenças nesse sentido também.
Nesse vergonhoso panorama, há
um dado ainda mais cruel, que é o
grande número de presos aidéticos (contaminados, inclusive, no
próprio centro penitenciário),
muitos já em estado terminal, agonizando no cárcere sem a menor
piedade do poder público.
Uma sentença da Audiência Provincial de Madri tratou de forma
louvável o tema. Seria aconselhável que tal exemplo motivasse nossos juízes. A fundamentação dos
magistrados espanhóis atinge o
ponto nevrálgico da questão.
Segundo o tribunal em tela, os
presos com enfermidades incuráveis (Aids, câncer, alguns tipos de
hepatite etc.) devem ser soltos
quando for diagnosticada a grave
doença, para que "vivam dignamente" o resto de seus dias.
Prolongar o cativeiro até a morte
resulta cruel e desumano. Ademais, desvirtua por completo a
própria natureza da pena privativa
de liberdade: a reinserção social.
Considerou-se desnecessário que
o preso tenha um prognóstico de
morte a curto ou médio prazo;
nem o fato de ser o condenado
multireincidente serve para obstar
o benefício da liberdade condicional ou da prisão domiciliar.
Outro aspecto ressaltado na sentença é que as condições oferecidas no presídio facilitam infecções
e patologias oportunistas. Concluem os magistrados "que é absurdo manter presa uma pessoa
gravemente enferma, com o objetivo constitucional de reinseri-la,
se unicamente sairá do cárcere
dias antes de morrer".
O sistema jurídico brasileiro,
muitas vezes, contempla normas
de elogiável alcance, mas de reprovável e deficitária aplicação. A
lei 7.210/84, que disciplina a execução penal, é uma ilustre desconhecida em face da realidade de
nossas prisões. Mais uma prova
desse completo descumprimento
resulta da interpretação restritiva
de que tem sido vítima o art. 117,
que prevê a possibilidade de prisão domiciliar para o condenado
acometido de doença grave.
No caso de presos aidéticos, sistematicamente os tribunais brasileiros têm negado tal benefício,
usando frágeis argumentos, sem
atentar para a crueldade e o elevado custo dessas decisões. É cada
dia mais comum encontrar nas galerias verdadeiros "cadáveres ambulantes", em um ambiente promíscuo, sem as mínimas condições de higiene ou os mais elementares cuidados médicos.
O caos no sistema carcerário e a
gravidade da situação dos presos
aidéticos exige mudança de mentalidade, para que o frívolo e cínico positivismo dê lugar a um tratamento humano e responsável.
Aury Celso Lima Lopes Junior é professor de
direito penal e processual penal da Universidade do Rio Grande (RS) e doutorando em direito
processual na Universidade Complutense de
Madri
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