São Paulo, Domingo, 25 de Abril de 1999
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PROSTITUIÇÃO
Com dificuldades para pagar escola, universitárias se prostituem e usam currículo como chamariz
Nível superior vira qualificação no mundo das garotas de programa

GILBERTO DIMENSTEIN
do Conselho Editorial

Desde a infância ela cultivava o sonho de virar atriz.
Concluído o segundo grau no interior de Minas, veio para São Paulo e se inscreveu num curso de artes cênicas -não imaginou que teria de desempenhar o papel de prostituta, inventando nomes e fantasias para ganhar dinheiro.
Com 20 anos, viu-se há seis meses sem condições de pagar a escola de teatro Célia Helena e manter seu sustento.
Uma amiga apresentou-lhe o caminho mais rápido para resolver os problemas, introduzindo-a na rota sofisticada da prostituição paulistana.
Trabalhando apenas à tarde, ela consegue fazer R$ 4.000 por mês, em média. "É por pouco tempo, logo saio disso", diz Roseana, nome fictício -como os outros nomes de mulheres desta reportagem.
Seu maior pavor é que alguém a reconheça, espalhando entre os colegas de curso sua vida dupla.
A vida dupla de Roseana não é raridade. O mercado do sexo está aberto para jovens de maior padrão cultural, o que significa nível de ensino superior -um mercado favorecido pelo empobrecimento da classe média, popularização do ensino superior e, mais importante, ausência de crédito educativo para quem paga mensalidades.
"A falta de crédito educativo provoca mesmo tragédias", afirma o ministro da Educação, Paulo Renato Souza (leia texto nesta página), prometendo ajudar os alunos de escolas privadas.
"Menina de programa universitária tem alto valor", afirma Oscar Marone, há 20 anos "na noite" e um dos maiores especialistas na prostituição chique paulistana.
Ele é dono do bar e boate Bahamas, em Moema, frequentado todos os dias por pelo menos 150 jovens -ao lado do Café Photo, no Itaim, e Kilt, região central, o Bahamas é das passagens obrigatórias das prostitutas universitárias.
"As histórias são parecidas. Não conseguem pagar a mensalidade e manter o padrão social de seus colegas. Descobrem que, fazendo programas, podem ganhar em apenas um dia a mensalidade", afirma Oscar.
"Fica sentado aí e você vai ver as meninas chegando com livro debaixo do braço", diz Lilian, que frequenta o Bahamas.
Ela tem diploma superior, obtido em Salvador, onde cursou contabilidade. "Saber se comunicar ajuda, já que parte do nosso negócio é ficar conversando."
Frequentadora do Café Photo e Bahamas, Alessandra, vinda do interior de Santa Catarina, que cursa administração na UniBan, resume: "Se eu trabalhasse num shopping ganharia por mês R$ 500. Não paga minha mensalidade".
Loira, com um rosto de modelo profissional, vestido preto justíssimo no corpo, ela diz que, em média, ganha R$ 8.000 mensais; seu hobby é pintura abstrata.
Por que estuda? "Sei que esse rostinho bonito e o corpo em cima acabam logo. Preciso ter alguma coisa a mais na cabeça para viver."
O título de universitária é encontrado com frequência nos classificados de jornais, sites na internet destinados à venda de sexo, agências que oferecem acompanhantes, saunas e casas de massagem.
Apenas numa sauna chamada Emanoelle, na rua Augusta, há quatro estudantes universitárias. "É um bico horrível, mas é o que posso fazer", afirma uma delas, que cursa Direito na FMU.
"O problema é que, muitas vezes, o bico vira emprego definitivo, elas acabam gostando do luxo", comenta Oscar.
Marina estudava na Faap, trancou a matrícula e, agora, prepara-se para voltar.
Conseguiu, até agora, manter segredo sobre suas atividades -assim como mantém segredo sobre demais colegas que faziam programa na faculdade.
"Venho de uma família do Paraná em que todos os meus irmãos puderam estudar na faculdade. Logo que puder, junto mais dinheiro e abro um negócio", comenta Marina, hoje sem marido e com um filho para sustentar.
As dificuldades econômicas vieram depois que o marido a abandonou com o filho e não tinha para quem pedir ajuda. "Sei que, sem diploma superior, é difícil se dar bem", comenta Marina, que se dispôs a posar na frente da Faap, com a roupa que usa para seduzir clientes durante a tarde.
Filha de japoneses, Joana tem a mesma trajetória de Marina. Sem condição de pagar o curso de turismo, começou a se prostituir.
Logo percebeu que, além do corpo bonito, falar inglês e espanhol a ajudava a atrair clientes estrangeiros. "É muito grande o número de executivos estrangeiros", comenta, deixando-se fotografar de costas na piscina de uma sauna.
"Duro vai ser ganhar a mesma coisa. Mas meu sonho é trabalhar com turismo", garante.
Elas sentem vergonha de sua atividade clandestina -mas ao mesmo tempo se sentem atraídas pela facilidade financeira.
O sonho delas não é voltado apenas a ter uma família, mas à realização profissional.
Roberta estudava enfermagem em Goiânia. "Entrei na enfermagem porque queria trabalhar com crianças deficientes", lembra.
O Café Photo a introduziu na rota chique, na qual faz mais dinheiro do que imaginou que faria -mas também passou perigos, quando um cliente que, revólver em punho, quis matá-la. Naquele dia, ela estava acompanhada de Alessandra.
As duas correram, trancaram-se no banheiro do quarto de hotel; Roberta deu um tiro para advertir o agressor de que estava armada. O homem, com medo de que ouvissem os tiros, fugiu.
"Estou dando um tempo, mas quando puder vou voltar à enfermagem e cuidar de crianças", diz, decidida, por enquanto, a manter o revólver sempre na bolsa.


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