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GILBERTO DIMENSTEIN
Diploma de prostituta
Nas últimas três semanas, a
Folha rastreou a presença de
estudantes universitárias nas
agências de acompanhantes,
páginas da Internet, boates,
casas de massagem e bares que
vendem encontros amorosos.
Nos anúncios de classificados
de jornais ou na Internet, o título de estudante de ensino superior se transformou em mais
um acessório ao prazer remunerado.
Mesmo trabalhando apenas
meio período, ganha-se, em
São Paulo, uma renda média
em torno de R$ 7.000 mensais.
Esse rendimento só é atingido
por um professor universitário
em final carreira.
As prostitutas universitárias
ajudam a entender o Brasil
neste final de século -e não
apenas pelo óbvio aspecto negativo de estudantes negociarem o corpo para pagar mensalidades escolares.
Mas também pelo lado, digamos, positivo.
Por mais chocante que pareça, há um lado positivo, indicando a transformação da sociedade brasileira.
Apesar da aguda e crônica
crise social, temos hoje, segundo dados concluídos na semana passada pelo Ministério da
Educação, 2,1 milhões de estudantes de ensino superior; cerca de 65% de entidades particulares.
É baixo, evidente, se comparado com percentuais internacionais; a evolução das matrículas é, porém, várias vezes acima do crescimento populacional.
Se, de um lado, o fenômeno
serve como sinal do empobrecimento da classe média, de outro aponta uma das mais importantes alterações na paisagem nacional -o aumento dos
níveis de escolaridade.
Até pelas novas exigências do
mercado, explodem as matrículas no segundo grau, drenando mais gente para cima.
Se, de um lado, constatamos a
inexistência de um crédito educativo, capaz de acelerar o ingresso de brasileiros no ensino
superior, vemos também uma
mudança de mentalidade -a
crescente percepção da educação como alavanca do progresso individual e nacional.
Aos poucos, todos os padrões
vão se alterando: das montadoras que exigem mais escolaridade de seus operários (pede-se agora segundo grau completo e até mesmo algum tipo de
curso superior) até cafetões que
vêem na escolaridade de mulheres um mecanismo de atrair
clientes.
Fazer universidade está virando um sonho popular. "Em
qualquer lugar que vou, me
perguntam sobre o crédito educativo. É um dos encalhes mais
sérios da nação", diz o ministro
da Educação, Paulo Renato
Souza.
Nas entrevistas, as moças de
programa, entre sonhos e ilusões, dizem encarar no diploma um jeito de dar um salto,
ganhar autonomia, ter bom
emprego.
Sonho e perversidade se encontram porque beira a improbabilidade ganhar aquele salário médio de R$ 7.000 com uma
qualificação tão deficiente.
Afinal, algumas das faculdades privadas são tão caça-níqueis como determinados ambientes frequentados pelas meninas de programa.
O pessimismo crônico beira a
desonestidade intelectual; basta ver a evolução dos indicadores sociais desde o início do século, a começar das taxas de
mortalidade infantil e expectativa de vida.
Mas também ser otimista exige uma dose extra de esforço,
com tanto atraso social comparado ao avanço econômico
-somos, por enquanto, parecidos com as prostitutas universitárias.
Com a sensação de que prosperamos, chegamos lá, graças
aos sinais de modernidade,
mas continuamos atados à escravidão do passado.
P.S. - É a exata sensação que
tenho diante dessa avalanche
de denúncias administrativas.
Conquistamos a democracia
para aumentar a taxa de transparência, com nível institucional de primeiro mundo. Mas a
corrupção, ou seja, a prostituição com recursos públicos, parece inestancável, com fatos
tão rasteiros que nada deixam
a dever à África.
E-mail: gdimen@uol.com.br
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