São Paulo, Domingo, 25 de Abril de 1999
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

GILBERTO DIMENSTEIN
Diploma de prostituta


Nas últimas três semanas, a Folha rastreou a presença de estudantes universitárias nas agências de acompanhantes, páginas da Internet, boates, casas de massagem e bares que vendem encontros amorosos.
Nos anúncios de classificados de jornais ou na Internet, o título de estudante de ensino superior se transformou em mais um acessório ao prazer remunerado.
Mesmo trabalhando apenas meio período, ganha-se, em São Paulo, uma renda média em torno de R$ 7.000 mensais.
Esse rendimento só é atingido por um professor universitário em final carreira.

As prostitutas universitárias ajudam a entender o Brasil neste final de século -e não apenas pelo óbvio aspecto negativo de estudantes negociarem o corpo para pagar mensalidades escolares.
Mas também pelo lado, digamos, positivo.
Por mais chocante que pareça, há um lado positivo, indicando a transformação da sociedade brasileira.
Apesar da aguda e crônica crise social, temos hoje, segundo dados concluídos na semana passada pelo Ministério da Educação, 2,1 milhões de estudantes de ensino superior; cerca de 65% de entidades particulares.
É baixo, evidente, se comparado com percentuais internacionais; a evolução das matrículas é, porém, várias vezes acima do crescimento populacional.

Se, de um lado, o fenômeno serve como sinal do empobrecimento da classe média, de outro aponta uma das mais importantes alterações na paisagem nacional -o aumento dos níveis de escolaridade.
Até pelas novas exigências do mercado, explodem as matrículas no segundo grau, drenando mais gente para cima.
Se, de um lado, constatamos a inexistência de um crédito educativo, capaz de acelerar o ingresso de brasileiros no ensino superior, vemos também uma mudança de mentalidade -a crescente percepção da educação como alavanca do progresso individual e nacional.

Aos poucos, todos os padrões vão se alterando: das montadoras que exigem mais escolaridade de seus operários (pede-se agora segundo grau completo e até mesmo algum tipo de curso superior) até cafetões que vêem na escolaridade de mulheres um mecanismo de atrair clientes.
Fazer universidade está virando um sonho popular. "Em qualquer lugar que vou, me perguntam sobre o crédito educativo. É um dos encalhes mais sérios da nação", diz o ministro da Educação, Paulo Renato Souza.
Nas entrevistas, as moças de programa, entre sonhos e ilusões, dizem encarar no diploma um jeito de dar um salto, ganhar autonomia, ter bom emprego.

Sonho e perversidade se encontram porque beira a improbabilidade ganhar aquele salário médio de R$ 7.000 com uma qualificação tão deficiente.
Afinal, algumas das faculdades privadas são tão caça-níqueis como determinados ambientes frequentados pelas meninas de programa.

O pessimismo crônico beira a desonestidade intelectual; basta ver a evolução dos indicadores sociais desde o início do século, a começar das taxas de mortalidade infantil e expectativa de vida.
Mas também ser otimista exige uma dose extra de esforço, com tanto atraso social comparado ao avanço econômico -somos, por enquanto, parecidos com as prostitutas universitárias.
Com a sensação de que prosperamos, chegamos lá, graças aos sinais de modernidade, mas continuamos atados à escravidão do passado.

P.S. - É a exata sensação que tenho diante dessa avalanche de denúncias administrativas. Conquistamos a democracia para aumentar a taxa de transparência, com nível institucional de primeiro mundo. Mas a corrupção, ou seja, a prostituição com recursos públicos, parece inestancável, com fatos tão rasteiros que nada deixam a dever à África.


E-mail: gdimen@uol.com.br


Texto Anterior: Demanda cresce em bar
Próximo Texto: Saúde: Fique livre de gripe e alergia neste outono
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.